quarta-feira, 20 de maio de 2015

Mas por quê??! – A história de Elvis (RJ)


Foto: Renato Mangolin

Letícia Colin, Marcel Octavio, Pedro Lima, Júlia Gorman e Simone Mazzer

Um excelente espetáculo que toca o público de todas as idades

O espetáculo “Mas por quê??! – A história de Elvis” tem muitos méritos, mas talvez o maior deles seja o modo sério como a obra encara o seu público-alvo: as crianças. Na história, quatro figuras reaparecem na vida da pequena Cecília que sofre com a recente morte do seu passarinho Elvis. Elas são lembranças esquecidas da garota que se ressentem do isolamento ao qual ficaram relegados e voltam para tentar reocupar, no coração dela, seus lugares. Escrita por Vinícius Calderoni e por Rafael Gomes, a peça é livremente inspirada no livro homônimo do alemão Peter Schössow lançado em 2005. A dramaturgia, assim como a direção de Renato Linhares, é belíssima, envolvendo na narrativa canções do cantor norte-americano Elvis Presley. Em cartaz no Theatro Net Rio, em Copacabana, eis aqui mais uma produção que ratifica o compromisso nobre que a dupla de produtores associados Felipe Lima e Pablo Sanábio tem com teatro para crianças de altíssima qualidade. O espetáculo é uma excelente opção para o público de todas as idades!

O livro conta a história de uma menina que anda por um parque, carregando uma grande mala vermelha. Inconformada, ela grita: “Mas por quê??!”. Na primeira parte da história, uma mulher alta, um homem gorducho, outro com uma mala muito maior que ele e um terceiro com asas, um cachorro e um filhote de urso observam a protagonista e se perguntam sobre o que está acontecendo. Dentro da mala, está o cadáver de um canário, amigo cantor da menina. Na segunda parte, há o consolo delicado e bem humorado dos personagens que conduz ao funeral do pássaro. A obra, que hoje é considerada referência para tratar de perdas com as crianças, ganhou o prêmio estatal de literatura na Alemanha. Foi lançada no Brasil, pela Cosac Naify, em 2008. Em 2014, o diretor Paul Schimidt assinou uma adaptação para teatro de fantoches que cumpriu temporada em Nurembergue.

A adaptação de Vinícius Calderoni e de Rafael Gomes é encantadora. Na peça, o grito de Cecília (Letícia Colin) é ouvido por Max (Pedro Lima), um grande urso que esperou muito tempo na vitrine da loja de brinquedos até ser comprado; por Gilda (Júlia Gorman), um retrato apagado que pairava sobre o piano da sala; por Lili (Simone Mazzer), sua amiga imaginária; e por Sebastião (Marcel Octavio), um vilão de filmes antigos ansioso pela oportunidade de fazer rir. Essas quatro figuras, embora tenham feito parte da vida de Cecília, foram esquecidas pela garota e hoje duvidam do amor que ela ainda possa sentir por eles. Um dos grandes méritos da dramaturgia é oferecer a essas figuras também uma lição. No entanto, perceber como a mala vermelha diminui de tamanho ao longo da narrativa e todo o sentido que pode estar por trás disso é a maior contribuição desse texto riquíssimo. Na vida, as coisas vão ganhando novos significados – e pesos – ao longo do tempo.

A direção de Renato Linhares ratifica o compromisso da produção com a inteligência do público. Ao manter as letras das canções do americano Elvis Presley (1935-1977) no idioma original, a peça aposta na capacidade da arte em ir além da linguagem verbal. Ninguém precisa, afinal de contas, entender inglês para gostar de rock in roll. Outro grande momento do espetáculo é o modo como os personagens contam suas histórias. No trecho de Sebastião, em destaque, o cenário de Bia Junqueira pode deixar ver os diferentes enquadramentos dos filmes em que esse personagem participa e aos quais Cecília assiste. O figurino de Luciana Buarque e o desenho de luz de Luiz Paulo Nenem contribuem pontualmente para o quadro. Excelente!

Júlia Gorman, Marcel Octavio, Pedro Lima e Simone Mazzer estão em ótimos trabalhos, mas Letícia Colin está excelente sobretudo pelos enormes desafios que a personagem Cecília traz. Com muita graça, grande carisma e excelentes usos dos movimentos, das intenções e dos gestos, a atriz faz do luto de Cecília um ótimo contraponto para os outros momentos em que o público se encontra com a protagonista. O grupo, em excelente direção musical de Felipe Habib, faz das canções de Elvis Presley cenas em que há pleno envolvimento da audiência na viagem difícil pelas várias facetas do companheirismo e da amizade de que a peça trata. “Tutti frutti”, “Can’t help falling in Love”, “Always on my mind” e “Love me tender”, entre outras, são oportunidades para a narrativa ser sentida.

Para um adulto, é muito difícil avaliar como uma criança vê o mundo e, nesse sentido, ao que ela gostaria de assistir ou não. A única forma que essa análise conhece de julgar uma produção teatral voltada para crianças se dá a partir do resgate da infância que está dentro de todo adulto. “Mas por quê??! – A história de Elvis” é uma belíssima peça para todas as idades porque fala lindamente de coisas que fazem parte da vida: as perdas, os esquecimentos, os ritos e também as novas significações, as alegrias, a amizade e as descobertas. Felipe Lima e Pablo Sanábio, aplausos!

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FICHA TÉCNICA
Baseado no livro ilustrado de Peter Schossow
Texto: Rafael Gomes e Vinicius Calderoni
Direção Renato Linhares
Elenco: Letícia Colin, Júlia Gorman, Marcel Octavio, Pedro Lima e Simone Mazzer
Idealização: Felipe Lima e Pablo Sanábio
Produção: Felipe Lima e Mariana Serrão
Direção Musical / Preparação Vocal: Felipe Habib
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Cenografia: Bia Junqueira
Figurino: Luciana Buarque
Realização: Sevenx Produções Artísticas e A Coisa Toda Produções

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