terça-feira, 5 de maio de 2015

The Suit (África do Sul)


Foto: Cristina Granato

À frente dos músicos, os atores Ery Nzaramba e Jared McNeill e a atriz Cherise Adams-Burnett

A complexa simplicidade de Peter Brook

O espetáculo “The suit” trouxe o aclamado diretor britânico Peter Brook de volta ao Brasil através desta que é a terceira montagem do conto homônimo do sul-africano Can Themba (1924-1968). Produzida em 2011, a peça narra a história do jovem apaixonado Philemon (Jared McNeill) que surpreende sua esposa Matilda (Cherise Adams-Burnett) com outro homem (Ery Nzaramba). Desolado pela traição, o marido passa a exigir que o terno esquecido pelo amante seja tratado como um hóspede de honra, estabelecendo um jogo de poder doméstico que tornará a narrativa metáfora para explicar o regime de segregação racial que a África do Sul vivia oficialmente desde o início dos anos 40. A extrema simplicidade da encenação tem significado. Ela pode querer dizer, entre outras coisas, que as relações de opressão mais sórdidas acontecem sutilmente. Nesse ótimo espetáculo codirigido por Marie-Hélène Estienne, está em destaque também a trilha sonora de Franck Krawaczyk.

Com versão assinada por Mothobi Mutloatse e por Barney Simon, a primeira adaptação do conto “The suit” aconteceu, em 1994, no Market Theater, em Joanesburgo, na África do Sul. Essa levou à produção em francês de 1999, “Le costume”, dirigida por Peter Brook e por Marie-Hélène Estienne, que se apresentou no Brasil, um ano depois, no 7º Porto Alegre em Cena. (O trio Estienne, Krawaczyk e Brook já esteve no Brasil, em 2011, através de sua versão de “A flauta mágica”, de Mozart.) “The suit” precisou esperar pelo fim do apartheid para voltar ao público, décadas depois do falecimento de seu autor na total miséria. Em 1955, a comunidade de Sophiatown, onde a trama acontece, foi desapropriada pelo governo e os então moradores foram substituídos por trabalhadores de classe baixa, brancos todos eles. (Uma história que quase se repete no Rio de Janeiro ainda hoje com infeliz frequência!) Em 1994, ano em que o líder Nelson Mandela se tornou o presidente da África do Sul, a história do advogado que exige que sua esposa alimente um terno como se esse fosse um convidado era uma ode contrária às interpretações fáceis, ao modo superficial de refletir sobre a sociedade, a cultura e sobre as relações pessoais. Hoje, mesmo em redor do mundo, continua sendo tudo isso, o que indica os valores universais dessa alta dramaturgia.

Os méritos da adaptação de Mutloatse e de Simon estão na clareza com que os personagens se apresentam e no modo simples com que a história se desenvolve. Em primeiro lugar, Sophiatown aparece como lugar idílico capaz de reunir homens bons. Em seguida, Philemon surge como herói romântico: marido fiel, devoto ao trabalho, à esposa e ao lar. Por fim, Matilda é apresentada como a vilã, aquela que, não se contentando com a vida, traiu o doce marido. A história, porém evolui. Aos poucos, marido e esposa vão ganhando novas cores e o jeito como os desafios lhes aparecem acaba por revelar contornos surpreendentes. Na direção de Brook e de Estienne, destaca-se a escolha por poucos elementos em favor da criação e da defesa de uma linguagem própria mais específica ao espetáculo. As cadeiras minimalistas em cores fortes dão conta do cenário, o gestual substitui adereços, o espaço cênico ocupa apenas uma pequena parte do palco, com os atores dividindo o quadro com os músicos (Jay Phelps, Harry Sankey e Danny Wallington), quase não há trocas de figurino. As canções originais e adaptadas da trilha sonora de Krawaczyk ratificam o ritmo lento e constante da narrativa, pontuando a estreita relação entre os personagens da ficção com a realidade daquele país e do povo negro em geral na história do mundo. Quanto às interpretações, a beleza da voz de Cherise Adams-Burnett equilibra sua atuação inexpressiva demais com os bons trabalhos dos carismáticos Jared McNeill e Ery Nzaramba.

A brevíssima temporada de dois dias no Teatro das Cidade das Artes, na Barra, zona oeste do Rio de Janeiro, foi suficiente para proporcionar ao público um espetáculo de grande beleza. Volte sempre!

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FICHA TÉCNICA

Espetáculo baseado em conto de Can Themba e na adaptação teatral de Mothobi Mutloatse e Barney Simon
Direção, adaptação e direção musical: Peter Brook, Marie-Hélène Estienne e Franck Krawczyk
Elenco: Cherise Adams-Burnett, Jared McNeill e Ery Nzaramba
Músicos: Jay Phelps (trompete), Harry Sankey (violão) e Danny Wallington (piano)
Figurino: Oria Puppo
Iluminação: Philippe Vialatte
Apresentado por State Theatre Company e Adina Apartment Hotels em associação com Arts Projects Australia, South Australian Tourism Commission e com Adelaide Festival Centre

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