segunda-feira, 22 de junho de 2015

A atriz (RJ)


Foto: divulgação


Bemvindo Sequeira e Betty Faria


Betty Faria comemora 50 anos em cena em bom espetáculo

“A atriz” é o bom espetáculo que comemora os 50 anos de carreira de Betty Faria. Escrito pelo inglês Peter Quilter, o mesmo autor de "O fim do arco-íris” (com Cláudia Netto) e de “Gloriosa” (com Marília Pêra), o texto foi levado à cena pela primeira vez em junho do ano passado em Londres de forma que a produção brasileira é uma das primeiras estreias mundiais. Na história, que se passa na primeira metade do século XX, uma atriz muito famosa decide abandonar a profissão para se casar com um velho banqueiro. Dirigida por Bibi Ferreira, trata-se de uma comédia sobre o teatro: a instabilidade da vida dos atores, a hipocrisia dos elogios planejados, o mito da celebridade, a constante busca pela autossuperação, a necessidade da afirmação e as dificuldades do trabalho em grupo. Eis aqui, finalizando temporada no Teatro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, uma bela oportunidade para o grande público de conhecer o que está por trás das cortinas.

O espetáculo “A atriz” tem dois problemas: a direção excessivamente linear de Bibi Ferreira e a interpretação do ex-marido Paul por Giuseppe Oristanio. Sobre a direção, dois terços da dramaturgia original servem para preparar o espectador para sua última parte, em que há a virada do texto. Na peça, a grande atriz Lydia Martin (Betty Faria), que é a personagem título, fará a sua última apresentação. Na manhã seguinte, ela se casará com o velho banqueiro Charles (Bemvindo Sequeira), com quem viverá na Suíça, onde estará distante da vida teatral para sempre. Na narrativa, a primeira parte da história diz respeito à chegada de Lydia ao teatro e vai até o intervalo do primeiro ato de “O Jardim das Cerejeiras”, peça que a personagem está interpretando. Em toda a parte do camarim, há flores, há homenagens e há aplausos. A última parte da história de “A atriz” começa quando Lydia entra, pela última vez, em seu camarim depois do fim da peça de Tchekhov. Nesse momento, o dramaturgo Peter Quilter deixa ver outro lado dos seus personagens. O empresário Berry (Harriet, no original), o Diretor (Margaret, a administradora da companhia, no original) e a camareira Katherine, enfim, encontram oportunidade para dizer toda a verdade à atriz, explodindo sua raiva contra ela. Lydia, por sua vez, também explode contra Charles, seu noivo. Então, no melhor momento da dramaturgia, o leitor de “A atriz” vai descobrir como a história termina, levando consigo a pergunta sobre qual o peso que esses conflitos, bem como os aplausos, têm na vida de uma atriz, se eles são um limite ou apenas uma oportunidade para continuar seguindo. A direção de Bibi Ferreira não abre espaço para o estabelecimento dessa poética nessa versão do texto de Quilter. Em primeiro lugar, porque as quebras de personagens não estão bem marcadas de modo que é difícil para o espectador perceber suas curvas narrativas (se é que elas existem). Em segundo lugar, porque, rápidos demais, os últimos momentos são representados como se não fossem um ápice da tese do autor, mas apenas um encerramento conveniente da narrativa. A beleza do cenário de José Dias e dos figurinos de Sônia Soares, aliados ao carisma de Betty Faria e de Bemvindo Sequeira acabam por segurar a peça apesar dessa direção pouco colaborativa.

Quanto às interpretações, em geral, o trabalho é bastante positivo. Gabriel Gracindo (o Diretor) e Pedro Gracindo (o Filho) fazem ótimas participações em personagens que aparecem pouco, contribuindo para os méritos do todo. Cacau Hygino (o Empresário) e Stella Freitas (a Camareira), para mais e para menos, apresentam representações interessantes que sofrem as desventuras de uma direção que não lhes possibilitou maior solidez conceitual. Giuseppe Oristanio, repetindo as dezenas de maridos que já interpretou, faz de Paul uma nova versão de seu personagem em “Doidas e Santas” e quase consegue transformar “A atriz” em mais uma comédia de relacionamentos dispensável, no que não sai felizmente vitorioso. Pelo carisma, pela força, pela habilidade de dar cores diferentes às mais diversas situações de seus personagens, Bemvindo Sequeira (Charles) e Betty Faria (Lydia) oferecem as melhores interpretações do elenco, elevando as qualidades estéticas da produção elogiosamente. Bravo!

Fazia tempo que não se via um cenário assinado por José Dias tão bonito como esse em “A atriz”. A riqueza de detalhes, no camarim todo em art déco, está em mesmo nível que sua articulação, unindo bom gosto e boa participação na construção semântica do espetáculo. Os ternos em cortes contemporâneos se esforçam, mas não tiram o brilho dos vestidos usados por Lydia (Betty Faria) no figurino assinado por Sônia Soares. “A atriz” tem discretas e pontuais participações da iluminação de Paulo César de Medeiros e do desenho de som de André Garrido e de trilha de Paulo Francisco.

Quem está há muitos anos na mesma profissão consegue enxergar aspectos de seu ofício nos quais trabalho e identidade se misturam de modo que é possível pensar que já não há mais como separar um e outro. “A atriz”, escrito para uma atriz que pode ter entre 40 e 60, não é sobre a velhice, mas, para além da realidade da vida dos atores, sobre o que realmente nos liga ao trabalho: o dinheiro, o reconhecimento, a vocação? A ver! Parabéns, Betty! Viva!!


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Ficha técnica
Texto: Peter Quilter
Tradução: Bemvindo Sequeira
Direção: Bibi Ferreira

Elenco:
Betty Faria – Lydia Martin
Giuseppe Oristanio – Paul, o ex-marido
Bemvindo Sequeira – Charles, o noivo
Stella Freitas – Katherine, a camareira
Gabriel Gracindo – O Diretor
Cacau Hygino – Berry, o empresário
Pedro Gracindo – Daniel, o filho

Produtora executiva: Claudia Goldstein
Assistente de Direção: Paula Leal
Cenário: Jose Dias
Figurino: Sonia Soares
Visagismo: Melissa Paladino
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Som:André Garrido
Trilha: Paulo Francisco
Programação visual: Roberta de Freitas
Fotógrafo Rodrigo Lopes

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