quarta-feira, 17 de junho de 2015

DeFlora-te (RJ)

Foto: divulgação

Gabriela Linhares e Maria Júlia Garcia em cena


Espetáculo interessante que explora diverso conjunto de sensações


Talvez o mais interessante de “Deflora-te”, da Companhia Duplô, seja o modo como o espetáculo chama a atenção do público para os sentidos. Livremente inspirada em “O balcão”, de Jean Genet, a peça apenas parte dessa obra elementar da dramaturgia contemporânea, investindo mais no sensorial e muito pouco no seu aspecto político. O resultado é positivo. Ao público, é exigido que fique com os olhos vendados durante um terço da encenação, estando disponível para sentir através do paladar, do tato e do olfato também. Com texto e direção de Gabriela Linhares, o espetáculo estreou há dez anos, mas está de volta a cartaz no Clube dos Democráticos, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.

“O balcão” (“Le balcon” ou “O terraço” em francês), de Jean Genet (1910-1986), foi apresentado pela primeira vez em 1957. Na história, um grupo de pessoas sem importância se encontrava à noite em um bordel famoso, fingindo serem representantes de alto nível da sociedade. De lá, eles viam as pessoas a quem representavam se destruindo em meio à guerra que acontecia lá fora. Enquanto isso, o Chefe de Polícia se utilizava da liberdade da “Casa de Ilusões” para obter vantagem na luta do governo contra a revolta, que, ao final, é dominada. No Brasil, ficou célebre a montagem de 1969, produzida por Ruth Escobar e dirigida por Victor Garcia, cujo cenário de Wladimir Pereira Cardoso colocava o público como voyeur de um espetáculo que se dava em uma imensa estrutura metálica de cinco andares descendo em espiral no centro do teatro. Pelo programa e pelo release de “DeFlora-te”, sabe-se que a dramaturgia assinada por Gabriela Linhares almejou manter parte do tom político-social do texto de Genet, principalmente em se tratando da crítica à hipocrisia. No entanto, a direção assinada por ela mesma não deu conta disso, levando o espetáculo para outro lugar também interessante.

Na rua, enquanto espera a grande porta do Clube dos Democráticos se abrir, o público de “DeFlora-te” convive com a interação de alguns personagens – Lulu (Thiago Di Nazaré) e Petit (Flaviana Pereira). Em seguida, começa um monólogo de Amor (Roberto Rossi) que dá lugar ao diálogo de Madame Irma (Maria Júlia Garcia) e de Carmen (Gabriela Linhares), a primeira é dona da “Casa de Ilusões” e a segunda é uma das prostitutas. Então, descalças, as pessoas do público são conduzidas ao salão principal e é lá onde a peça oficialmente começa. Os diversos personagens se alternam individualmente e em grupo nas interações com o público: as falas originais de Genet e as escritas por Linhares continuam acontecendo, mas o todo se embaralha em um emaranhado de acontecimentos concomitantes. Com os olhos vendados, são levados à boca do espectador vários tipos diferentes de alimentos: frutas, carnes, chocolate, legumes, queijos, doces, massas, etc. Perfumes são borrifados, massagens são feitas, frases são ditas ao ouvido. Ainda sem enxergar, o espectador é levado a andar pelo espaço, segurando a mão de quem delicadamente o conduz. Não só porque tudo isso é bem combinado antes da sessão começar, mas porque todas as ações são realizadas cordialmente, a experiência é bastante positiva. Em jogo, está um jeito diferente de se relacionar com o mundo, que a Cia. Duplô tematiza e propõe. Com exceção de uma parte em que uma espécie de banquete é servido (porque há nela outro convite ao paladar), todo o resto não tem o mesmo resultado positivo infelizmente. Ficam um embate redundante e cansativo entre Carmen e Madame Irma e um misto de participações isoladas que não se articulam ainda que justapostas. Diferente do que acontece em Genet, aqui todas as figuras parecem ser uma só embora haja o esforço de cada intérprete em dar-lhes mais personalidade. “DeFlora-te” termina, deixando a memória das sensações sobre as quais fez vir luz e com o mérito também de ter construído e sustentado um bom clima de experiência teatral.

A valorização do aspecto sensorial da peça é tão interessante que reduz as possibilidades do elenco em oferecer resultado a altura. Mesmo assim, vale prestar a atenção nas atuações de Felipe Galvão (Artur), Nathália Dias Gomes (Florence), de Bruna Mascarenhas (Marlize) e principalmente de Maria Júlia Garcia (Irma) e de Gabriela Linhares (Carmen). Se nos primeiros, o foco é bem construído e mantido com relativa força através de gestos exuberantemente limpos, nas últimas o texto também é bem dito e o conflito defendido com galhardia.

Dentro do estudo do que Gabriela Linhares chama de “Teatro Sinestésico”, “DeFlora-te” atinge o objetivo e se apresenta como uma opção bastante interessante na programação teatral do Rio de Janeiro. Recomenda-se!

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Ficha Técnica
Texto e Direção: Gabriela Linhares
Elenco: Maria Julia Garcia, Gabriela Linhares, Anarrita Quelho, Rodrigo Vahia, Roberto Rossi, Nathália Dias Gomes , Felipe Galvão, Bruna Mascarenhas, Marco Fugga, Thiago Di Nazaré, Cadu Mader, Irla Carina, Rodrigo Ferraro, Flaviana Pereira e Lucas Toledo
Produção - Anarrita Quelho, Rodrigo Vahia e Raoni Pontes
Figurino: Gabriela Linhares
Luz e Som: Cia. Duplô

Um comentário:

  1. Gostei da atuação dos atores, o texto é bem elaborado e tem muita expressão corporal, mas termina de uma forma um pouco cansativa, o momento do banquete é longo demais. O espetáculo acaba sem que o publico possa aplaudir o trabalho dos atores. Senti falta de aplaudir o trabalho deles.

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