quinta-feira, 25 de junho de 2015

Folias do coração (RJ)

Foto: divulgação

Eduardo Cardoso



Formatura em alto estilo

“Folias do coração” foi o espetáculo de formatura de uma das turmas que se graduam, nesse primeiro semestre de 2015, no Bacharelado em Teatro na Casa de Artes de Laranjeiras. A peça é uma adaptação assinada por Geraldo Carneiro do filme “Esse mundo é dos loucos” do (não creditado no programa da peça) francês Philippe de Broca, lançado em 1966. Dos dezesseis atores no elenco, destacam-se os excelentes trabalhos de Samantha Gilbert e de Alice Maria Paiva, mas principalmente os de Eduardo Cardoso, Clarice Paixão e de Mila Carmo. Com direção comportada de Xando Graça, a peça fez curta temporada na Sala Sérgio Britto no Instituto Cal de Arte e Cultura, na Glória, zona sul do Rio de Janeiro, mas há de seguir caminho profissional para além da sala de aula.

“Esse mundo é dos loucos” (“Le Roi de Coeur”, em português “O Rei de Copas”) veio dois anos depois de “O Homem do Rio”, filme de que fala Mario Sergio Conti na sua coluna desta quinta-feira, 25 de junho, no Segundo Caderno do jornal O Globo. Vale lembrar que o italiano Adolpho Celi (1922-1966), ex-marido de Tônia Carreiro e primeiro diretor artístico da célebre companhia Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), está no elenco dos dois filmes. Na história, os moradores de uma pequena localidade da França, no fim da I Guerra Mundial (1914-1918), fugiram apavorados quando souberam que o exército alemão plantou lá uma grande bomba. Para desarmar o explosivo antes de que tudo voe pelos ares, o jovem soldado escocês Charles Plumpick (Alan Bates) é enviado. O problema é que, ao abandonar a cidade, os moradores esqueceram o portão do manicômio aberto de maneira que, ao chegar, o oficial encontra os loucos ocupando as posições sociais vagas. Coroado como o Rei de Copas e apaixonado pela jovem Coquelicot (Geneviève Bujold), o protagonista torna esse filme um clássico para a juventude dos anos 60 quando se pergunta: “quem mesmo são os loucos, os que moram no asilo ou aqueles que criaram as guerras?”

Na versão de Geraldo Carneiro, escrita por encomenda ao grupo Marxmellow International Troupe, levada ao palco em 1983 com Miguel Falabella e Zezé Polessa no elenco, há pequenas modificações. Um pequeno país está dividido. De um lado, o General (Clarice Paixão) está no comando da Presidência da República em uma falsa democracia (como aquela em que o Brasil vivia até 1990). De outro, o Almirante Polidoro da Marinha (Mila Carmo) está tentando tomar o poder. Para conquistar a adesão popular, o General espalha secretamente bombas pela cidade a fim de assumir o heroísmo por ter livrado a população de uma catástrofe. Só que seu plano falha, levando o povo a fugir da capital. O exército rebelde envia então o jovem Martim (Caio Mello) para desamar as bombas, mas, como no filme de Philippe de Broca, ele se depara com os loucos nos papeis de Bispo (Gilberto Goes), Comandante (Evandro Mattei), Nobreza (Marcos Duarte e Alice Maria Paiva), Cafetina (Samantha Gilbert) e, entre outros, de Barbeiro (Eduardo Cardoso). Se, nos anos 60, o filme “Esse mundo é dos loucos” representou algo significativo para a juventude que se lutava contra a Guerra do Vietnã (1955-1975), nos 80, a peça “Folias do coração” falava sobre o modo como a ditadura brasileira se passava por boazinha através da mídia. Mas qual é o apelo dessa história hoje?

A direção de Xando Graça foi firme na viabilização das marcas e no preenchimento do espaço, mas a concepção do espetáculo não ficou suficientemente definida. A movimentação dos atores é clara e o trabalho é preciso, porém o que se vê não valoriza o texto em suas maiores potencialidades. Fica a impressão de que há uma peça dentro da peça, sendo que a segunda (sobre os loucos) atrapalha a primeira (sobre a política). Sem aproveitar-se da poética da insanidade, pontuando o seu lugar na tese de de Broca e na de Carneiro, Graça perdeu a oportunidade de fazer mais que apenas dar aos atores bacharelandos a oportunidade de mostrar o que aprenderam nos anos escolares. Embora não vivamos mais uma ditadura e nem perdurem os ideais da juventude “Paz e Amor”, a dúvida de Charles/Martim ainda tem o seu lugar na contemporaneidade. Enrijecida demais, esse “Folias do coração” não disse claramente a que veio nessa temporada de estreia.

No elenco também formado por Caio Mello (Martim), Estenio Grassi (Bonifácio), Evandro Mattei (General das Flores), Gilberto Goes (Bispo), Jhenifer Emerick (Barbeiro Espião), Lais Regazio (Mestre de Cerimônias), Luiz França (Imediato), Marcus Duarte (Visconde), Marina Loureiro (Colombina), Michele Costa (Ordenança) e por Priscila Gonzaga (Coronel), ficam os excelentes trabalhos de Samantha Gilbert (Cafetina) e de Alice Maria Paiva (Viscondessa), mas principalmente os de Eduardo Cardoso (Barbeiro de Sevilha), Clarice Paixão (Generalíssima) e de Mila Carmo (Almirante Polidoro). Mais que nos demais, nesses últimos, as falas ganham novos possíveis significados pelo ótimo uso dos tons, das intenções e das pausas. As construções se apresentam limpas, ricas e capazes de oferecer ao todo graça e ainda complexidade. Dados os desafios, são seus os méritos maiores. Aplausos.

“Folias do coração” movimenta bem os recursos de cenário e de figurino em colaboração assinada por Adriano Ferreira e por Gustavo Henrique bem como de iluminação por Wilson Reiz. Sem lugar claro o suficiente na construção da narrativa, a direção musical de Edvan Moraes ficou comprometida pela direção de Xando Graça, esse assistido por Gilberto Goes.

À toda turma, devem-se os parabéns pelo esforço dedicado à formação, ao estudo da técnica e ao aperfeiçoamento do talento (que só o tempo há de dizer quem tem). A formatura é um momento de ganhar abraços e de acumular a expectativa para que se tornem grandes dentro da profissão que escolheram. A cidade fugiu e os loucos são aguardados. Bem-vindos!

*

Ficha técnica:
Direção: Xando Graça
Texto: Geraldo Carneiro
Assistente de direção: Gilberto Goes
Direção musical: Edvan Moraes
Preparação corporal: Claudia Mele
Cenário e Figurino: Adriano Ferreira & Gustavo Henrique
Iluminação: Wilson Reiz
Fotografia: Alvaro Victor
Projeto Gráfico: Rita Ariani
Assessoria de Imprensa: Ana Gaio
Direção de produção: Marcia Quarti
Assistente de produção: Lucas Rangel
Colaboração na produção: Joyce Martins
Agradecimentos: Isaac Bernat & Karen Lieberman

Elenco:
Alice Maria Paiva (Viscondessa)
Caio Mello (Martim)
Clarice Paixão (Generalíssima)
Eduardo Cardoso (Barbeiro de Sevilha)
Estenio Grassi (Bonifácio)
Evandro Mattei (General das Flores)
Gilberto Goes (Bispo)
Jhenifer Emerick (Barbeiro Espião)
Lais Regazio (Mestre de Cerimônias)
Luiz França (Imediato)
Marcus Duarte (Visconde)
Marina Loureiro (Colombina)
Michele Costa (Ordenança)
Mila Carmo (Almirante Polidoro)
Priscila Gonzaga (Coronel)
Samantha Gilbert (Cafetina)

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