quarta-feira, 17 de junho de 2015

Traição (RJ)

Foto: divulgação

Rodrigo Vahia, Gabriela Linhares, Rodrigo Ferraro e Maria Júlia Garcia

Cinco crônicas de Nelson Rodrigues em boa versão para teatro


“Traição”, da Companhia Duplô, cumpre nova temporada no Clube dos Democráticos, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro. O espetáculo, com roteiro e direção de Gabriela Linhares, leva aos palcos cinco crônicas de Nelson Rodrigues, escritas nos anos 50, como parte da série “A vida como ela é...”. O tema da infidelidade articula os quadros e a concepção estética faz o mesmo com as cenas: a alternância da interpretação dos personagens, a estabilidade dos figurinos e o ritmo da encenação são estruturas fundamentais da peça. É bom ver um Nelson Rodrigues bem feito.

Ao longo de onze anos, mais de duas mil crônicas foram publicadas por Nelson Rodrigues durante seis dias por semana no jornal Última Hora entre 1950 e 1961. “Traição” traz cinco delas ao público carioca nessa versão do espetáculo. Na crônica, “Um chefe de família”, Anacleto paga um aluguel aos pais da noiva para poder ocupar a sala da casa deles e lá cortejar a filha. Em “O monstro”, Bezerra sofre a acusação de ter dado em cima da cunhada mais nova. “O marido sanguinário” conta história de Glorinha que não trai o amante nem com o próprio marido. Por fim, na crônica “O marido fiel”, Ceci leva Rosinha a ir às últimas consequências por acreditar que seu marido a trai.

A direção de Gabriela Linhares dá cores cênicas para a literatura rodrigueana, mantendo a beleza das palavras, essas carregadas de imagens. Com méritos, a encenadora apresenta a ação sem fazê-la duelar com o vocabulário. A explosão de movimentos pelo espaço, de gestos, de usos e de trocas que se estabelecem a partir de vários atores interpretando os mesmos personagens e de vários personagens pelos mesmos atores se estabiliza com o evoluir da narrativa e permite ao espectador chegar às intenções do autor para esse tipo de texto. Crônicas são narrativas do dia a dia com personagens com os quais convivemos no ônibus, no trabalho, nos estádios de futebol. O que acontece lá poderia acontecer com qualquer um. Essa aparência de história corriqueira, de tragédia comum que atravessa a obra de nosso maior autor está elogiadamente possível em “Traição”.

O grande número de marcas que se espalham nas muitas partituras através das quais os atores dão a ver os personagens nivela os trabalhos de interpretação meritosamente. Desse modo, ainda que seja possível encontrar trabalhos destacáveis, não há alguém que dê alguma má contribuição. Rodrigo Vahia e Maria Júlia Garcia apresentam bons trabalhos, mas Felipe Galvão e Gabriela Linhares se sobressaem positivamente pelo modo como viabilizam mais marcas que garantam personagens diferentes.

Depois de ter se apresentado em várias capitais desde 2002, essa nova temporada de “Traição” sugere que bom teatro resiste ao tempo. Parabéns!

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Ficha Técnica
Texto – Nelson Rodrigues
Direção - Gabriela Linhares
Elenco - Maria Julia Garcia, Gabriela Linhares, Rodrigo Vahia, Roberto Rossi, Nathália Dias Gomes , Felipe Galvão, Bruna Mascarenha , Thiago Di Nazaré e Rodrigo Ferraro
Produção - Anarrita Quelho, Rodrigo Vahia e Raoni Pontes
Figurino - Gabriela Linhares
Luz e Som - Cia. Duplô

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