segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Be careful, it’s my heart (RJ)



Foto: divulgação

Darwin Del Fabro e Laura Lobo


Discreta homenagem ao grande Irving Berlin
            “Be careful, it’s my heart” cumpriu temporada no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea, trazendo ao público carioca dezoito canções de Irving Berlin (1888-1989). O compositor, cujo trabalho é considerado definitivo para a história do teatro musical norte-americano, escreveu mais de mil e quinhentas canções ao longo de uma carreira longeva, dentre elas, “Cheek to Cheek” e “There’s no business like show business”, além de “White Christmas” e de “God Bless America”. Idealizado por Darwin Del Fabro, o modesto espetáculo é apresentado por ele e por Laura Lobo. Ela, mais uma vez em brilhante performance, esteve recentemente em cartaz no Rio com o musical “A família Adams”, em que interpretava a filha Wandinha. Eximindo-se de explorar um pouco mais o repertório escolhido, a montagem merece aplausos contidos.

Homenagem ou auto-homenagem?
            “Be careful, it’s my heart” é um espetáculo frio. Cena após cena, tudo o que se vê no palco é mera oportunidade para Darwin Del Fabro e para Laura Lobo ou mostrarem o quão belas são as canções de Irving Berlin ou quão hábeis eles próprios são em cantá-las. Nesse movimento, o espetáculo perde toda a graça. Para analisar essa questão, é preciso observar que a cultura na qual essas canções apareceram e fizeram primeiro sucesso é diferente da nossa. Enquanto aqui, muitas vezes, o popular precisa ser referendado pela intelectualidade para ganhar prestígio, no contexto da produção teatral norte-americana de primeira metade do século XX, o movimento parecia ser o contrário. E essa peça infelizmente não propõe esse contraponto essencial.
A fama da Broadway como lugar onde se fabricam sonhos e deles se vivem começa em 1904 com a abertura de uma estação de metrô na Times Square. A partir desse momento, em Nova Iorque, os teatros e as casas de entretenimento que existiam na região teriam acesso facilitado pela classe trabalhadora da cidade. Talvez mais do que agora, Manhattan e seu entorno eram um lugar dividido por imigrantes oriundos de toda a parte do mundo que chegavam aos Estados Unidos e precisavam ganhar a vida para sobreviver. O dinheiro que garantia essa sobrevivência vinha em primeiro lugar, à frente de qualquer forma de preconceito. A composição “Alexander’s ragtime band”, de 1911, primeiro sucesso de Berlin, era um ragtime, um ritmo popular considerado grosseiro pelos críticos. Dizia-se dele exatamente o que hoje aqui se diz dos funks pancadões e outrora se atribuiu ao samba, ao maxixe, ao tango, ao rock’n’roll, à valsa, etc.
No entanto, diferente de nossa cultura, o grau de popularidade (e de comercialização) era a marca de prestígio. Compondo inicialmente para Florenz Ziegfield (1867-1932), o maior produtor de teatro americano da primeira metade do século XX, Irving Berlin, esse russo-americano judeu batizado com o nome de Israel Isidore Baline, rapidamente ascendeu na sua profissão. Ao longo de 66 anos de carreira, e 101 de vida, foram dezoito musicais para a Broadway e dezenove filmes para Hollywood.
Em termos de dramaturgia e de encenação, “Be careful, it’s my heart” não pauta o alcance popular do compositor e de suas canções no coração da cultura americana. Por isso, remetendo a um lugar clássico e um tanto mofado que erroneamente se atribui a esse repertório, o espetáculo perde a chance de sugerir algo mais relevante, apenas apontando para a beleza desses standars e das vozes que os interpretam.

O brilho de Laura Lobo
            Com direção de movimento de Renato Vieira, a direção de Darwin Del Fabro propõe relações sutis entre os personagens liricamente sugeridos nas canções. Ao longo de cinquenta minutos de encenação, tanto Fabro quanto Lobo apresentam expressões delicadas e discretas que, com parcimônia, ocupam-se em apresentar virtuosismo musical. Os melhores momentos do espetáculo estão em “I love a piano” (1915), em “Blue skies” (1926) e principalmente em “Always” (1925). Nessa última canção, em especial, a extrema beleza da voz de Laura Lobo garante os aplausos que toda a produção recebe no encerramento. As famosas “There’s no business like show business” (1946) e “Cheek to cheek” (1935), que mundialmente ficaram conhecidas nas interpretações de Ethel Merman e de Fred Astaire respectivamente, aparecem em versões alternativas estranhamente. Na mesma direção, o cenário de Cris De Lamare, assim como o figurino e a iluminação assinados pelo diretor, fecham o quadro com coerência à aparente proposta. A direção musical e os arranjos são de Betto Serrador e de Thalyson Rodrigues, esse último em cena ao piano ao lado de Saulo Vignoli no violoncelo.
            “Be careful, it’s my heart” é uma oportunidade do público carioca ouvir ao vivo algumas canções de Irving Berlin e de se reencontrar com Laura Lobo, uma das melhores atrizes-cantoras desse país. Quem venham outras!

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Ficha técnica:
Roteiro e Direção: Darwin Del Fabro
Elenco: Darwin Del Fabro e Laura Lobo
Direção de Movimento: Renato Vieira
Direção Musical e Arranjos:Betto Serrador e Thalyson Rodrigues
Cenografia: Cris De Lamare
Visagismo: Ricardo Moreno
Assistência de Direção: Fabiana Tolentino e George Luis
Direção de Produção: George Luis
Produção Executiva: Maria Fernanda Marques e Igor Miranda
Assistência de Produção: Julia Kussler
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias