sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mantenha Fora do Alcance do Bebê (SP)


Foto: divulgação

Débora Falabella


Débora Falabella em mais um excelente trabalho de interpretação


Depois de uma curta temporada em junho em São Paulo, a peça “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” cumpre temporada no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana. Com brilhante direção de Eric Lenate, o espetáculo tem, no elenco, Anapaula Csernik e Débora Falabella, essa última em mais um trabalho de interpretação bastante elogiável. O excelente texto de Silvia Gomez já recebeu merecida indicação ao prêmio de Melhor Dramaturgia de 2015 da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em cartaz, produzida por Ricardo Grasson, a montagem conta a história de uma Mulher que está sendo entrevistada por uma Assistente Social a fim de adotar um bebê. Essa situação, no entanto, é apenas ponto de partida para outras em que se sugerem diversas reflexões sobre os caminhos da humanidade.

Dramaturgia e encenação se revelam no fim
Nos últimos cinco minutos da encenação de “Mantenha Fora do Alcance do bebê”, todo o sentido do espetáculo fica mais acessível e a peça se torna excelente. No texto, uma Mulher (Débora Falabella) está sendo entrevistada por uma Assistente Social (Anapaula Csernik) como parte de um processo inicialmente corriqueiro de adoção de crianças. Nos diálogos de Silvia Gomez, aos poucos, algumas marcas de absurdo vão aparecendo. Através de detalhes, percebe-se que essa possível Mãe está, na verdade, escondendo boa parte de si mesmo e procurando interpretar alguém que pareça confiável o bastante para, mais rapidamente, realizar o sonho da maternidade. Por outro lado, na medida em que o íntimo da Entrevistada se revela, o público também se aproxima da Entrevistadora, essa a real protagonista da história. De forma brilhante, a dramaturgia de Gomez se utiliza do tema da adoção para falar de um tipo de futuro que ainda é possível construir. Assim como a Mulher acredita ser possível escolher o “modelo” e as “configurações” do bebê que gostaria de levar para casa, talvez sua personagem defenda aí a responsabilidade dos homens pelos males do mundo hostil em que vivemos. Na cena final, os personagens tomarão parte em uma situação ativa que será capaz de modificar a situação geral, assumindo, possivelmente pela primeira vez, o protagonismo de suas existências até então coadjuvantes no ponto de vista desse excelente texto.

A encenação dirigida por Eric Lenate é brilhante. Em um misto da estética plástica célebre nos espetáculos do americano Robert Wilson com amplo uso de intepretações partiturarizadas – que já foram vistas em sua versão para “Limpe todo o Sangue Antes que Manche o Carpete”, de Jô Bilac -, o espetáculo é formalmente inquietante. A dureza de todos os movimentos, das entonações e das cores que se veem no figurino e no cenário sustenta uma realidade que será quebrada nos últimos minutos. Vale a pena ver como toda a frieza evolui até ficar suficientemente quebrável, momento em que o espetáculo viabiliza o melhor de sua poética. O significado das menções aos lobos (Diego Dac), que invadiram a cidade onde moram as personagens da Entrevistada (Falabella) e da Entrevistadora (Csernik), é capaz de dar conta da liberdade almejada pelo público ao final da apresentação. Excelente trabalho de Eric Lenate!

Débora Falabella em mais um excelente trabalho de interpretação
Mais uma vez Débora Falabella (Entrevistada) oferece um grande trabalho de interpretação ao público carioca. Vencedora do Prêmio APTR por “Contrações”, no último ano, sua participação em “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” é similar, mas não menos desafiadora e igualmente meritosa. Naquele espetáculo como nesse, há uma escrivaninha que separa sua personagem de sua interlocutora. No entanto, se, no texto do inglês Mike Barlett, a personagem Emma, tal como um cordeiro imolado, é atropelada pelo sistema, aqui seu papel é outro. Inicialmente tentando oferecer à Entrevistadora (Csernik) aquelas marcas que ela espera identificar, a candidata à mãe passa a dominar o jogo ao longo dos diálogos. No final, será ela quem, em um determinado ponto de vista, terá algo a oferecer: a possibilidade de um novo mundo. Esse jogo de expressões cada vez mais profundas e irreversíveis, já visto em “Contrações”, ganha aqui a possibilidade do alcance do poder, a ironia, as segundas intenções e até o deleite que sua personagem lá não tinha. Em bom trabalho, Ana Paula Csernik (Entrevistada) evidencia bem menos a curva narrativa de sua personagem, negativamente mantendo linear suas expressões inclusive nas cenas finais. Jorge Emil (Marido), em sua participação pequena, não se modifica também. Diego Dac (Lobo) apresenta excelente trabalho de corpo na minúscula, mas essencial, atuação do fim.

Os figurinos e adereços de Rosângela Ribeiro, o cenário do diretor e a luz de Aline Santini, ao mesmo tempo em que aprisionam os personagens em uma situação estética tão fria quanto enrijecida, recortam as figuras em um esforço para apagar suas identidades lindamente. Em outras palavras, assim como a situação está presa em um quadrado bem delimitado, é como se os personagens flertassem com a margem, deixando ver que, talvez, sair dali não seria ruim. Marcado em termos de ritmo pela trilha sonora de L. P. Daniel, o quadro viabiliza uma poética cuja delicadeza só se poderá contemplar no fim.

O espectador atento irá saber, desde aqui, que “Mantenha Fora do Alcance do Bebê” é como uma paisagem cujo olhar distante, vindo do seu interior, é definitivo para compreender sua complexidade. Vale a pena ver!

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FICHA TÉCNICA

Texto: SILVIA GOMEZ
Direção: ERIC LENATE
Elenco: DÉBORA FALABELLA, ANAPAULA CSERNIK, JORGE EMIL & DIEGO DAC
Assistência de Direção: JANAÍNA AFHONSO
Figurinos e Adereços: ROSÂNGELA RIBEIRO
Cenografia e Adereços: ERIC LENATE
Assistência de Cenografia: SAULO SANTOS
Iluminação e Adereços: ALINE SANTINI
Assistência de Iluminação e Operação de Luz: GUILHERME TRINDADE
Trilha Sonora, Sonoplastia e Engenharia de Som: L. P. DANIEL
Direção de Palco: DIEGO DAC & SAULO SANTOS
Mascareiro: FÁBIO PINHEIRO
Projeto Gráfico e Vídeos: LAERTE KÉSSIMOS
Fotos de Cena, Vídeos e Documentação: LEEKYUNG KIM
Direção de Produção: RICARDO GRASSON
Produção Executiva: CÍCERO DE ANDRADE & RICARDO GRASSON
Assistência de Produção: FRANN FERRARETTO & FELIPE COSTA
Coordenação Administrativa: JOÃO NORONA (DEARO)
Assessoria de Imprensa: SILVANA CARDOSO (PASSARIM COMUNICAÇAO & MARKETING)
Realização e Produção: GELATINA CULTURAL PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
Idealização: SOCIEDADE LÍQUIDA