domingo, 11 de outubro de 2015

Electra (RJ)

O
Camilla Amado e Rafaela Amado
Foto: divulgação
Com medo do desafio

“Electra”, novo espetáculo dirigido por João Fonseca, tem problemas que afastam a montagem do desafio da tragédia infelizmente. O texto parte de uma versão traduzida e adaptada por Fernanda Schnoor e que se refere à versão de Sófocles, do século V a.C. A versão atual está em cartaz no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana até o próximo dia 25 de outubro. Nela, Rafaela e Camilla Amado, filha e mãe na vida real, interpretam com nobre força as personagens Electra e Clintemnestra, ao lado de Ricardo Tozzi, no controverso papel de Orestes. Além do mérito de incluir um clássico grego na programação teatral do Rio de Janeiro, não há maiores méritos nessa montagem infelizmente.

A versão de Sófocles de “Electra”
A história de Electra é a única que chegou aos tempos atuais a partir das versões dos três maiores dramaturgos da antiguidade. No entanto, Ésquilo (525 – 455 a. C.), Eurípedes (480 – 406 a.C.) e Sófocles (497 – 405 a.C.) tiveram pontos de vista diferentes da mesma narrativa mítica. Oficialmente, João Fonseca escolheu a versão de Sófocles, mas sua encenação parece se embaralhar com as outras duas confusamente. A diferença entre as versões é básica. Para Ésquilo (“As Coéforas”, de 458 a.C.) e para Eurípedes (“Electra”, de 420 a.C.), Orestes é um vingador que retorna a Argos para matar os assassinos de seu pai. Por outro lado, Sófocles ("Electra", de 410 a.C.) retira de Orestes e de Electra toda a culpa. Em sua versão de “Electra”, é o deus Apolo quem exige a morte dos assassinos de Agamenon. Os dois irmãos agem confiantes de que estão fazendo a vontade dos deuses.

Na história, para atender o pedido da deusa Ártemis, Agamemnon tirou a vida de sua filha mais velha, Ifigênia. Esse sacrifício trouxe novos ventos aos barcos que partiram de Argos à Guerra de Tróia, onde os gregos enfim venceram a batalha que já durava dez anos. Vingando a filha sacrificada, Clintemnestra e seu amante Egisto mataram Agamêmnon quando ele retornou da guerra. Salvo por Electra, a irmã mais nova, Orestes foi enviado para o estrangeiro onde cresceu, conhecendo seu passado. Egisto se tornou rei. No palácio que outrora fora de seu pai, Crisótemis vive em conforto, mas calada, enquanto sua irmã Electra, que denuncia os crimes que presenciou, é expurgada de suas vestes. Quando “Electra” começa, Orestes está voltando à casa onde nasceu.

Ésquilo, Eurípedes e Sófocles fizeram desse tema motivo para a reflexão sobre direito público e privado. Em suas obras, eles chamam a atenção dos homens a respeito do contraponto entre os desígnios divinos e a natureza humana. Escrita depois das demais, a versão de Sófocles de “Electra”, muito mais sóbria que a de seus pares, lembra os ideais de equilíbrio, introduzindo com moderação a discussão sobre destino.

A versão de João Fonseca
Na versão de João Fonseca, metade do texto desapareceu, o coro se tornou uma só pessoa e maior parte das falas ganhou ares de banalidade. Nessa montagem, a cena do assassinato de Clintemnestra foi trazida para dentro do palco, contrariando a teoria acumulada sobre a questão da verossimilhança aristotélica. A trilha sonora de João Bittencourt auxilia ainda no esvaziamento da tragédia quanto ao aspecto divino, fazendo a narrativa parecer um drama familiar. Nada é pior do que o figurino de Marília Carneiro e de Reinaldo Elias. Pobremente estudantil, malhas pretas bem costuradas dividem lugar com pedaços de pano de algodão pintados, adereços dourados de plástico, unhas brilhantes e alças de sutiã aparecendo. No quadro, apenas o cenário de Nelo Marrese faz referência ao ritual, ressaltando os melhores aspectos do texto. Os demais elementos submergiram às dificuldades.

No que diz respeito às interpretações, com elogiável força, Rafaela Amado (Electra) e Camilla Amado (Clintemnestra) garantem os melhores momentos dessa “Electra”. Nas duas, com méritos também na atuação de Mário Borges (Corifeu), os gestos são sóbrios, a expressão da emoção é regular, as palavras são ditas sob o âmbito de seus valores no discurso. Em pequenas e inexpressivas participações, Alexandre Mofati (Egisto) não atrapalha e Paula Sandroni (Crisótemis) perde oportunidades. Em suas falas, Francisco Cuoco (Preceptor) torna o texto todo banal, jogando fora as palavras e desconsiderando o tom. O Orestes de Ricardo Tozzi sofre pela concepção confusa do todo do espetáculo, mas certamente distante da versão de Sófocles.

Para Aristóteles, a tragédia revela o que há de melhor no seu humano e não tem outra função além dessa. Diante de acontecimentos como os narrados por Sófocles, esse aspecto só pode aparecer se os personagens forem abordados pela complexidade de suas situações. Sobre essa versão de João Fonseca, fica o desejo por montagens que não tenham medo do desafio. Essa teve.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Sófocles
Tradução e Adaptação: Fernanda Schnoor
Direção: João Fonseca

Elenco / Personagem:
Rafaela Amado / Electra
Camilla Amado / Clitemnestra, mãe de Electra
Ricardo Tozzi / Orestes, irmão de Electra
Mario Borges / Coro
Paula Sandroni / Crisótemis, Irmã de Electra
Alexandre Mofati / Egisto, amante de Clitemnestra
Francisco Cuoco (ator convidado) / preceptor

Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Marília Carneiro e Reinaldo Elias
Trilha sonora original: João Bittencourt
Direção de movimento: Ana Bevilaqua
Direção de produção: Carla Mullulo
Realização: SESC Rio
Idealização: Camilla Amado
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany