quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A floresta que anda (RJ)

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Foto: divulgação


Julia Bernat

Teatro tem papel coadjuvante em nova obra de Christiane Jatahy

“A floresta que anda”, de Christiane Jatahy, encerra a sua trilogia dos clássicos, composta pelos espetáculos “Julia” (baseado em “Senhorita Julia”, de Strindberg) e “E se elas fossem pra Moscou?” (“As três irmãs”, de Tchekhov). A produção é livremente inspirada em “Macbeth”, de William Shakespeare, mas, diferente dos espetáculos anteriores, esse revela quase nenhuma investigação no campo das artes cênicas. Sugerindo espaço para reflexão sobre o papel do espectador na construção do sentido do espetáculo e enchendo o público de máxima responsabilidade, a encenadora apresenta uma obra em que o teatro faz papel coadjuvante. Sem desmérito algum, há um avançar mais para o campo das artes visuais nesse evento em cartaz na Sala Mezanino do Espaço SESC Copacabana até 29 de novembro.

Referências ao texto “Macbeth”, de William Shakespeare
Espalhadas pelo ambiente, há quatro telas onde, em cada uma, é exibido um documentário cinematográfico diferente. Eles são sobre o modo como jovens do Brasil e do mundo tiveram suas vidas atravessadas pelos movimentos políticos mais recentes. Em um canto, a atriz Julia Bernat, vestida de negro, bebe vinho elegantemente enquanto observa os transeuntes. Cerveja, água e refrigerante são servidos ao público que escolhe o que ver e durante quanto tempo. Cada um recebeu, na entrada, uma lista de instruções que diferem de espectador para espectador em alguns aspectos. Entre elas, está o pedido de não revelar para outras pessoas o que consta em sua lista recebida.

O texto de “Macbeth” foi escrito na primeira década do século XVII, logo depois da ascensão ao trono inglês de Jaime I. O novo rei, que já era o monarca da Escócia há 37 anos, era sobrinho-bisneto de Henrique VIII, pai de Elizabeth I, que havia falecido em 1603 sem descendentes. É justo reconhecer que o dramaturgo William Shakespeare, tão agraciado no período elisabetano, almejasse o mesmo conforto no novo governo. Dizia-se que Jaime I era descendente de Banquo, personagem importante na lenda secular de Macbeth, que o bardo reescreveu.

A história de “Macbeth” se passa na Escócia no século XI. Depois de ter assassinado o Rei Duncan, o personagem Macbeth assume a coroa levando à morte outros inimigos de sua ambição. Lá pelas tantas, as bruxas que uma vez profetizaram sua ascensão ao trono reaparecem com novas previsões: ele não seria vencido até que a floresta de Birnam fosse até o alto do Monte Dunsiname, em cima do qual ficava o castelo real. A história termina quando Malcolm, filho de Duncan, traz um exército escondido sob galhos das árvores de Birnam, retomando a posse sobre a coroa de seu pai. (Outra profecia das bruxas era a de que Banquo não seria rei, mas geraria uma linhagem de reis. Eis aí o afago de Shakespeare ao seu novo Rei Jaime I.)

O título “A floresta que anda” faz assim referência à visão do Rei Macbeth sobre a perda de sua coroa, conforme previra as bruxas. Outra referência da produção ao texto shakespeariano é a loucura de Lady Macbeth (Julia Bernat), lavando incessantemente suas mãos sujas de sangue. Dentro da Sala Mezanino, ecoam ainda trechos da tragédia.

Relações possíveis a partir do espetáculo de Jatahy
Misturando teatro, cinema, performance e artes visuais, Christiane Jatahy estilhaça o texto clássico sugerindo novos contextos para os significados espalhados. O espectador mais atento há de identificar relações possíveis entre as duas obras. Estão lá, o aumento da participação dos movimentos políticos e a proximidade crescente do exército de Malcolm do castelo de Macbeth. Mundo contemporâneo e tragédia shakespeariana se encontram, assim, em “A floresta que anda”.

Interpretada por Julia Bernat, Lady Macbeth na visão de Jatahy pode representar parcela cada vez mais isolada da população mais rica que, acuada pela pressão popular, assombra-se com o futuro descortinado ao mesmo tempo que se sente atraída por ele. Esse é o outro ponto de união possível entre os dois contextos estéticos. E também a única relação possível entre “A floresta que anda” e as artes cênicas.

Discrepâncias
A mais sólida estrutura da sociedade seiscentista em que “Macbeth” foi escrito era a monarquia. (Ainda que a história se passassee na Idade Média, o Shakespeare que a narra vive na Idade Moderna.) A questão do poder, com a coroa passando das mãos de Duncan para Macbeth, desse para Malcolm e, talvez no futuro, para os descendentes de Banquo, não era, assim, um assunto do povo. Tampouco era um tema político na acepção do termo que se discute hoje quando se pensa nos movimentos sociais. O personagem Malcolm não se torna rei porque era mais capaz de governar a Escócia que o tirano Macbeth, mas porque era filho do Rei Duncan e não tinha assassinado seu pai. A primavera árabe de 2010 e os protestos de junho de 2013 no Brasil, entre outros acontecimentos, se deram porque o povo não se sentiu mais representado pelos seus governantes.

Escolher a qual documentário assistir e movimentar-se pelo espaço são convites que mudam muito pouco a relação entre público e espetáculo. Conceitualmente, permanece rígida a relação entre quem vê e quem se dá a ver: palco e plateia. Além disso, por mais acessível que o texto de “Macbeth” esteja mesmo do público brasileiro, a história continua sendo dominada apenas por uma elite intelectual. E quem, na plateia de “A floresta que anda”, não a domina há de ficar um tanto absorto com raras possibilidades de adentrar as proposições estéticas mais profundamente. Em outras palavras, se os movimentos sociais são tema nessa obra, sob vários aspectos ela é tão reacionária quanto a sociedade contra a qual eles existem.

A coadjuvância do teatro
A produção dos documentários e os meios como se dão suas exibições, bem como o uso de filmagens do público que assiste à sessão, são da ordem da cinematografia. A colaboração da música e dos efeitos sonoros de Estevão Case, assim como elementos estéticos de outras ordens como um peixe morto ou como alguém vestindo uma peça de figurino, precisa ser analisado sob outros referenciais.

Vale dizer que o teatro em nada se desmerece em sua coadjuvância nessa produção da Cia. Vértice. Tampouco é possível dizer que o plateia tem função menos relevante. Ao contrário, é somente no olhar de quem assiste que essas e outras relações de sentido podem acontecer. Mas o teatro quase não participa.

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FICHA TÉCNICA
"A FLORESTA QUE ANDA", de Christiane Jatahy
Inspirado em Macbeth", de William Shakespeare
com Julia Bernat e performers convidados
Criação, e direção ao vivo Christiane Jatahy
Direção de fotografia, iluminação e câmera ao vivo: Paulo Camacho
Concepção cenário –Christiane Jatahy e Marcelo Lipiani
Direção de arte e cenário – Marcelo Lipiani
Projeto de som e sonoplastia – Estevão Case
Colaboradores artísticos – Isabel Teixeira e Stella Rabello
Figurino – Fause Haten
Consultoria de vídeo – Julio Parente
Assistente de direção e interlocução artística – Fernanda Bond
Assistente de Iluminação – Leandro Barreto
Assistente de palco – Thiago Katona
Operação de vídeo – Felipe Norkus
Mixagem som ao vivo – Francisco Slade
Fotos – Aline Macedo
Projeto Gráfico – Radiográfico
Assessoria de Imprensa – Factoria Comunicação
Gestão e Acompanhamento – Tatiana Garcias
Assistentes de produção: Lina Miguel e Thiago DiDeus
Produção Executiva – Nathalia Atayde
Direção de produção e tour manager – Henrique Mariano
Co-produção: Le CENTQUATRE-PARIS, TEMPO_FESTIVAL, CENA CONTEMPORANEA e SESC
Patrocínio da Cia: Petrobras

Um projeto da Cia Vértice de Teatro