quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Galápagos (RJ)

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Foto: divulgação

Kadun Garcia e Paulo Giannini


Eis um belo espetáculo!

Um dos espetáculos melhor avaliados de 2014, “Galápagos” fez curta temporada entre outubro e novembro de 2015 no Teatro Gláucio Gill em Copacabana. Com texto de Renata Mizrahi e direção de Isabel Cavalcanti, a peça narra o encontro entre Vander e Carlos, dois homens completamente diferentes interpretados por Kadu Garcia e por Paulo Giannini. Eles se encontram em um bar a bordo de um navio que os leva ao arquipélago equatoriano Galápagos. Com humor delicado e drama leve, a história revela um tipo de solidão em que é gostoso estar junto bem como uma companhia em que se é possível sentir-se só. Uma linda produção que merece mais atenção e temporadas mais longas.

Reflexões da dramaturgia contemporânea
O arquipélago Galápagos, paraíso ecológico a oeste do Equador, é formado por 58 ilhas habitadas por preciosíssima fauna, como as tartarugas gigantes que dão nome ao local. Capazes de viver até 150 anos e podendo chegar a 1,80m de comprimento e 300kg, elas atraem pesquisadores do mundo inteiro. Esse porém não é o caso nem de Vander, nem de Carlos, dois personagens a caminho de lá por motivos diferentes na história original escrita por Renata Mizrahi.

Vander é um funcionário de multinacional, pai de três filhos e insatisfeito com a própria companhia. Carlos é um artista plástico de fama internacional, menos solitário do que realmente gostaria de ser. A voz potente de uma cantora no microfone do bar do navio onde eles viajam atrai essas duas figuras para uma amizade que nasce aos barrancos e talvez não perdure, mas talvez sim.

Autora de inúmeras peças muito elogiadas, Renata Mizrahi desenvolveu a história idealizada pelos atores Paulo Giannini e Kadu Garcia. O modo como as cenas evoluem deixa ver algumas marcas da dramaturgia contemporânea. A narrativa evolui mais verticalmente na estrutura de cada quadro do que se espalha pelo todo da ficção fabular. Os diálogos têm menos marcas que os unem e mais expulsões que os separam. Só o que se sabe dos personagens é aquilo que eles revelam de si próprios de maneira que talvez ambos continuem sendo desconhecidos um para o outro. Não há qualquer coisa que os una, nenhum conflito, nenhum interesse, qualquer acordo a não ser o prazer que ambos sentem em ouvir a cantora cantar. Todos esses aspectos formais do texto são claramente sinais de conteúdo. Ao mesmo tempo em que enchem o espectador de dúvidas, eles conferem ao público a responsabilidade de investigar-se em busca de respostas existenciais. Trata-se de alta dramaturgia aqui.

Palco espelho para o público na encenação dirigida por Isabel Cavalcanti
A direção de Isabel Cavalcanti resolve com habilidade alguns desafios do texto na encenação. Uma vez que todos os encontros dos personagens Vander (Kadu Garcia) e Carlos (Paulo Giannini) acontecem em um show, ambos ficam boa parte das cenas completamente virados para o público. É bonito reparar o quanto, evitando a troca de olhares, eles fazem da falta de triangulação uma marca do olhar por sobre si. É como se eles estivessem buscando no outro uma resposta para si mesmos além do fato da plateia ter a oportunidade de vê-los talvez como os veria a cantora por eles admirada. Essa possibilidade traz nova reflexão.

Seria normal que estivesse o público sob a luz dos refletores e os personagens sob a escuridão uma vez que é da plateia que sai a voz - Simone Mazzer – capaz de atrair esses dois personagens da superfície às profundezas do navio. Em “Galápagos”, porém, a plateia (nós) observa a plateia (Vander e Carlos) de maneira que, nesse espetáculo, o palco vira espelho íntegro, questionador, potente.

Ótimos trabalhos de interpretação de Paulo Giannini e de Kadu Garcia
As ótimas interpretações de Paulo Giannini e de Kadu Garcia garantem também outros elogios a “Galápagos”. O espetáculo acontece em excelente ritmo, com articulações precisas dos quadros e disposto a potencializar as diferentes nuances que revelam sutil curva dramática ascendente. Em outras palavras, é fácil torcer para que a amizade entre Vander e Carlos perdure, traço que aponta para o brilhantismo da defesa tanto das figuras como da relação que nasce entre eles por parte de seus intérpretes e da direção.

Com destaque para a trilha sonora de Felipe Storino, a peça tem bons figurinos de Bruno Perlatto, cenário de Aurora dos Campos e iluminação de Renato Machado. A sutil mas essencial colaboração desses últimos elementos define positivamente a potencialidade de cada pequena participação. O repertório ouvido em cena, que é interpretado por Simone Mazzer, integra-se à dramaturgia como se ambos fossem um só (e talvez sejam).

Eis um belo espetáculo!

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FICHA TÉCNICA
Direção: Isabel Cavalcanti
Texto: Renata Mizrahi
Elenco: Paulo Giannini e Kadu Garcia
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Renato Machado
Figurino: Bruno Perlatto
Trilha Original: Felipe Storino
Design Gráfico: Roberta de Freitas
Fotografia: Dalton Valério e Débora Setenta
Assistente de direção: Renata Mizrahi
Assistente de Cenografia: Ana Machado
Consultoria de movimento para o personagem Carlos: Moira Braga
Produção Executiva: Thamires Trianon
Direção de Produção: Paulo Giannini e Kadu Garcia
Realização: Saravá Cacilda Projetos Culturais