domingo, 8 de novembro de 2015

SamBRA (RJ)

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Foto: divulgação

No centro, Gustavo Gasparani


Não deixe o SamBRA morrer!

“SamBRA, o musical – 100 anos de samba” deixa claro que Gustavo Gasparani não é apenas um grande ator, dramaturgo, diretor e um bailarino excelente. Ele também é um dos artistas mais importantes do teatro brasileiro contemporâneo. O espetáculo, que, desde 15 de outubro, está em temporada popular no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, eleva a qualidade do espetáculo nacional sobre a música popular do nosso país. Ao longo de duas horas e meia, uma grande festa celebra o centenário do ritmo carioca que dominou o Brasil e se espalhou pelo mundo. Dentre os dezessete atores, todos eles em excelentes trabalhos, destacam-se as lindas vozes de Beatriz Rabello, Lilian Valeska e de Wladimir Pinheiro, o enorme carisma de Édio Nunes e de Patrícia Costa, mas principalmente as vigorosas atuações de Bruno Quixotte e do próprio Gasparani. Com um mínimo de parafernália cênica e com máxima exploração estética de tudo o que há no palco, eis aqui um espetáculo no melhor sentido do termo. Produzido pela Aventura Entretenimento e pela Musickeria, aqui mais um motivo para 2015 se orgulhar como o ano em que mais e melhores musicais foram produzidos no Rio de Janeiro.

Os enormes méritos da dramaturgia de Gustavo Gasparani
Quando se cobra excelência no padrão estético dos espetáculos, fala-se menos em visual e muito mais no modo como tudo pode ser capaz de viabilizar beleza que atenda às expectativas. A começar pelo roteiro, “SamBRA”, escrito por Gustavo Gasparani, parte de um lugar simples, mas oferece enorme potencialidade. A história começa com o registro da canção “Pelo Telefone”, um samba de Ernesto dos Santos (1890-1974), mais conhecido por Donga, na Biblioteca Nacional em 27 de novembro de 1916. A música havia sido composta em uma das festas na casa de Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida, 1854-1924), conhecida mãe de santo, onde os batuques eram acorridos por gente de todas as origens. Nesse momento da história, a Praça Onze, no Rio de Janeiro, era lugar de convivência entre ex-escravos e judeus, inválidos da Guerra do Paraguai e gente pobre de diversos tipos. De forma bem humorada, o texto de Gasparani contextualiza o modo como várias pessoas reclamaram a autoria de “Pelo Telefone” como também a composição verdadeira do primeiro samba da história.

Pela dramaturgia, desfilam personagens célebres relacionados ao ritmo, mas também a própria história do país. O melhor, porém, para longe da monótona estrutura do musical biográfico tantas vezes repetida, é o jogo que o texto estabelece com o público em pequenos detalhes. Gasparani ao lado de Ana Velloso, Wladimir Pinheiro e de Édio Nunes, entre outros, há muito têm apresentado sólida pesquisa sobre o Teatro de Revista no Brasil. As contribuições desse gênero espetacular para o teatro brasileiro, mas principalmente para o modo como nosso povo frui as narrativas cênicas são definitivas. Elas dão conta de explicar a preferência nacional por um tipo de ironia que critica e excita, agride e se diverte, fere e desliza tanto pelo campo superficial como pelo mais complexo. Quando, por exemplo, o texto chama Getúlio Vargas (Édio Nunes) e dá a ele um “pau de selfie” para fazer um autorretrato, está falando do ditador que fez voltar a censura nos anos 30, mas também trazendo para hoje o comportamento popularesco do Pai dos Pobres, aquele que foi o mais amado dentre os presidentes brasileiros.

Em se tratando de um texto que parte de fontes históricas e de personagens que realmente viveram, outro mérito da dramaturgia de “SamBRA” é o modo como a peça usa as referências. Figuras reais como Tia Ciata (Lilian Valeska), Ismael Silva (1905-1978) (Édio Nunes) e José Barbosa da Silva (1888-1930), mais conhecido como Sinhô (Wladimir Pinheiro), aparecem, mas sem pesar a narrativa com um excesso de informações sobre si mesmos. A peça, afinal de contas, não é sobre eles, mas sobre o samba. E, além disso, a graça de suas aparições é o que basta para o público se afeiçoar a eles e ao espetáculo do qual fazem parte. Há, ainda, personagens, como o Moleque Samba (Bruno Quixotte) ou como o Malandro (Édio Nunes), que não existiram em uma só pessoa, mas são figuras representativas de uma identidade que todos conhecem. Essa união de sabores, sobretudo porque bem disposta, é grande responsável pelos méritos do todo.

Por fim, há ainda outro ponto bastante destacável no texto de “SamBRA”: a maneira como o espetáculo viabiliza não apenas seu encontro com o público, mas aquele que se dá entre a plateia e os atores. Lá pelas tantas, Ana Velloso (Baiana) e Patrícia Costa (Rainha da Bateria da Portela), essa última no melhor momento de sua carreira, protagonizam dois pontos altos da produção. Falando em primeira pessoa, contam sua própria história, destacando o que as relaciona mais particularmente com o enredo. De forma tocante, o teatro aí se volta para sua origem – um encontro único que acontece entre seres humanos.

A vibrante encenação também de Gustavo Gasparani
Em ordem de sua encenação, “SamBRA, o musical – 100 anos de samba” flui articuladamente pelo tempo de maneira bastante positiva. O cenário de Helio Eichbauer, a luz de Paulo Cesar de Medeiros e o videografismo de Thiago Stauffer deslizam pelo palco assim como evoluem os arranjos de Nando Duarte em sua brilhante direção musical. Nesses elementos, marcas de verossimilhança, mas também de originalidade convivem e se alternam com extrema beleza. O figurino assinado por Marília Carneiro e por Reinaldo Elias atua no mesmo sentido, retratando de maneira mais modesta as épocas com algum momento mais relevante.

São, no entanto, no movimento e nas coreografias de Renato Vieira e principalmente nas interpretações do elenco que “SamBRA” atinge seus maiores valores. Maurício Detoni faz duas ótimas participações, como João Gilberto (“Chega de Saudade”) e como Noel Rosa, esse último ao lado de Alan Rocha, como Martinho da Vila. Há ainda os ótimos Wladimir Pinheiro como Sinhô (“Jura”), Ana Velloso como Carmen Miranda e como Beth Carvalho e Beatriz Rabello como Pastora e como Aracy Cortes. Com destaque, Bruno Quixotte e Patricia Costa interpretam “Boneca de Piche” e Gustavo Gasparani protagoniza os belíssimos quadros “Aquarela do Brasil” e “Roda Viva”. Em todos eles, e principalmente no todo, impera excelente nível estético que, em ótimo ritmo, leva o espetáculo para adiante e deixa gosto de “quero mais”.

Em cartaz agora até 6 de dezembro no Teatro João Caetano, “SamBRA, o musical – 100 anos de samba” estreou no último verão com Diogo Nogueira no papel principal. Gustavo Gasparani, que escreveu e dirigiu essa peça, e que agora a protagoniza, é o mesmo autor do célebre “Samba Futebol Clube”, um dos espetáculos mais elogiados de 2014. Ainda que Laila Garin tenha tido especialíssimo destaque em “Elis – A musical”, esse aqui é sem dúvida o melhor espetáculo produzido pela Aventura Entretenimento desde 2012. Valeapeníssima ver!! Parabéns e vida longa!!

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Ficha técnica:

(a ficha técnica completa não foi divulgada no release)

Elenco
Gustavo Gasparani, Ana Velloso, Beatriz Rabello, Lilian Valeska, Patricia Costa, Alan Rocha, Bruno Quixotte, Édio Nunes, Wladimir Pinheiro, Cátia Cabral, Patrícia Ferrer, Shirlene Paixão, Simone Debett, Charles Fernandes, Pablo Dutra e Paulo Mazzoni

Músicos
Nando Duarte (Regente/Violonista), Alexandre Caldi(Sax/Flauta), André Vercelino (Percussão), Zé Luiz Maia (Baixo), Fabiano Segalote (Trombone), Gustavo Salgado (Piano), João Callado (Cavaco), José Arimatea (Trompete), Nailson Simões (Bateria e Percussão) e Rodrigo Jesus (Percussão)