quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Ideia fixa (RJ)

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Foto: divulgação


Silvia Buarque e Guta Stresser

Adriana Falcão assina texto de ótimo espetáculo dirigido por Henrique Tavares

Ideia fixa” é um ótimo espetáculo que cumpriu temporada no Teatro Poeira no fim da primavera de 2015. No texto original escrito por Adriana Falcão, duas mulheres foram abandonadas pelo mesmo homem e, presas às lembranças do relacionamento que tiveram com ele, não conseguem sair do lugar e para dar prosseguimento às suas vidas. Rodrigo Penna e Silvia Buarque, mas principalmente Guta Stresser estão no elenco em ótimos trabalhos. Dirigido por Henrique Tavares, o espetáculo tem cenário e figurino de Ronald Teixeira, uma das direções de arte mais vibrantes do ano teatral carioca.

Excelente texto de Adriana Falcão
O texto é excelente. O limbo, esse lugar imaginário onde as personagens sem nome vividas por Silvia Buarque e por Guta Stresser vivem, surge em máxima concretude. Se fora da ficção, ele é um lugar caudaloso, difícil de descrever e duro de apalpar, na peça, ele aparece íntegro, delimitado e bastante visível. No passado, as duas personagens foram abandonadas pelo de Rodrigo Penna e, desde então, habitam esse terreno povoado de velhas lembranças. Filosofias fúteis de banca de jornal, nas quais é possível se agarrar e continuar existindo, se espalham e dão a impressão de que o tempo está passando, embora não garantam a saída dali.

O diálogo entre as duas começa cinco anos após um silêncio constrangedor. O personagem de Penna, que liga o das duas, aparece quando menos é esperado, mantendo-as sob o jugo de suas lembranças e frustrações. As conversas são engraçadas dentro de um plano tragicômico que permite ao público facilmente se reconhecer. Os movimentos da narrativa são acompanhados da torcida por uma situação melhor. Eis aqui mais uma grande contribuição de Adriana Falcão à dramaturgia brasileira.

Direção de Henrique Tavares dá maior relevância ao texto
A direção de Henrique Tavares parece ter colocado as duas personagens em visível oposição apesar de se encontrarem quase na mesma situação. Enquanto o de Silvia Buarque está mais acostumada com o limbo e presa a lembranças mais maduras, o de Guta Stresser ainda sofre cada momento revivido. Se uma tem um tom de falar mais moderado, a outra grita, chora, se impõe mais. No quadro, o espectador vê um todo em que talvez uma seja o futuro da outra, a outra o passado da primeira e ambas possam estar a espera de uma terceira.

O espectador enxerga a figura de Rodrigo Penna durante o tempo inteiro da encenação como sendo uma lembrança constante do diálogo entre as duas protagonistas. O jogo dele com elas e entre os três se mantém firme, com regras claras.

No entanto, o melhor da direção de Tavares é notar a teatralidade que preencheu o diálogo de Falcão. Ela dá novo contexto duas mulheres falando de um homem, enriquecendo a situação através do aumento de suas possibilidades. “Ideia fixa” tem o mérito de parecer simples, sendo um todo em que se articulam concepções complexas sobre os relacionamentos. Um ótimo trabalho!

Guta Stresser em ótima atuação
Pelo modo como reagem, Rodrigo Penna e Silvia Barque parecem ter tido personagens com menor evolução. Suas expressões, por vezes quase inaparentes, revelam pouco o lugar de conflito que suas falas depõem. Já Guta Stresser, quase raivosa em manifestações um tanto exageradas em alguns momentos, tem o mérito de expressar onde sua personagem está e sobretudo para aonde ela quer e pode ir. Ao longo da peça, a paisagem diante do de Buarque e do de Stresser se modifica de maneira que ambos vão traçando novos objetivos. É interessante notar que, em todas as construções de personagem, há modificação.

A direção de arte de Ronald Teixeira é um entre os vários pontos altos de “Ideia fixa”. No cenário, tem-se um espaço circular sobre o qual galhos secos giram em um longo espiral até o teto, com o chão coberto de revistas coloridas. Móveis velhos, tortos, um baú fazendo as vezes de mesa de centro, uma luminária no fundo: o contexto dá conta do romantismo ingênuo, tolo e complexo em que as duas mulheres estão presas. Os vestidos com motivos florais, cheios de rendas e os relógios pendurados no pescoço as fazem parecer poetisas alienadas em suas rotinas do século XIX. A teatralidade do aspecto visual, assim como no gestual, nas movimentações e no jeito de falar, revela o quão autoral são as histórias que as personagens criam em torno de si próprias e de suas vidas.

“Ideia fixa”, com trilha sonora de Rodrigo Penna e de Ricco Vianna (música tema de Clarice Falcão e de Ricco Vianna) e com iluminação de Beto Bruel, tem méritos em todos os aspectos de sua estrutura espetacular. Quando é possível identificar marcas da concepção nas pequenas assim como nas grandes amarras de cada elemento, percebem-se aí as justificativas para um ótimo espetáculo, como aqui é um caso. Aplausos!

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Ficha técnica:
Autor: Adriana Falcão
Direção: Henrique Tavares
Atores: Guta Stresser, Silvia Buarque e Rodrigo Penna
Trilha sonora: Rodrigo Penna e Ricco Vianna
Música tema: Clarice Falcão e Ricco Vianna (Rick de la Torre – bateria)
Cenário e Figurino: Ronald Teixeira
Iluminação: Beto Bruel
Design: Ronaldo Alves
Diretor Assistente: Alfredo Boneff
Direção de movimento: Jahayne Hildefonso
Fotógrafa: Nil Caniné
Visagista: Chico Toscano
Assistente de Cenografia e de Figurinos: Guilherme Reis
Confecção e cenotecnia cenário: George Bravo
Assessoria de Imprensa: Rafael Barcellos / Stratosfera
Operador de Luz: Walace Furtado
Operador de Som:Andrey Brandão
Contrarregra: Ricardo Silva
Direção de Produção: Cássia Vilasbôas
Coord. de Produção: Fernando Duarte
Assistente de Produção: Mayara Maia
Produção: NOVE Produções
Realização: Chevalier de Pas, NOVE Produções, Guta Stresser e Silvia Buarque