quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O último lutador (RJ)

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Foto: divulgação

Daniel Villas, Glauco Gomes, Stênio Garcia, Antonio Gonzalez e Marcos Nauer


Em ótimo espetáculo, o tema da luta contra o isolamento

No ótimo “O último lutador”, Stênio Garcia comemora 60 anos desde sua primeira atuação no teatro. Escrita por Marcos Nauer e por Teresa Frota, a partir de argumento do primeiro, a peça é dirigida por Sérgio Módena. No elenco, estão Stela Freitas, Antonio Gonzalez, Glaucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback, além de Nauer e do aniversariante. A narrativa sugere uma ficcional origem do Vale Tudo, modalidade de combate que deu origem ao hoje difundido MMA. Na história, com a ajuda de uma produtora de televisão, um antigo lutador pretende unir sua família através de um campeonato milionário. O risco de dois irmãos se digladiarem no ringue surge e pode atrapalhar seus planos. O espetáculo está em cartaz no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, até 7 de março.


O Vale-Tudo
A origem do esporte Vale-Tudo remonta o início do século XX, quando o lutador japonês Mitsuyo Maeda (1878-1941) veio morar no Brasil. Em 1917, no Estado do Pará, logo após uma apresentação de jiu-jitsu (seu modo particular de lutar judô), ele foi procurado por Carlos Gracie, que se ofereceu como aprendiz. A prática, difundida entre os descendentes de Carlos, teve seu ponto alto nos anos 70, quando seu filho Rorion Gracie (1952) se mudou para os Estados Unidos. Trabalhando como figurante em filmes de Hollywood, ele chamou a atenção para suas técnicas de luta. No fim dos anos 80, sua Academia de Jiu-jitsu tinha vagas disputadíssimas.

Em 12 de novembro de 1993, o produtor de TV Art Davie e Rorion Gracie lançaram o Ultimate Fighting Championship (UFC), um evento em que oito lutadores de diferentes modalidades combatiam entre si. O objetivo era fortalecer a questão sobre qual luta era mais eficiente. Quais técnicas davam a chance de um lutador menor vencer um maior? Para lutar contra lutadores de boxe, sumô, karatê entre outras outras, Rorion escolheu seu irmão mais novo, o faixa preta de jiu-jtsu brasileiro Royce Gracie. Ele venceu essa e outras competições posteriores. Na quinta edição, sua luta final com Ken Shamrock, de wrestling, durou 36 minutos e terminou em empate sangrento. Depois de ser proibido em vários estados americanos, o Vale Tudo precisou se ajustar. Regras foram acrescentadas e hoje o esporte se chama MMA (Artes Marciais Mistas), conhecido no mundo inteiro.

Elogiável dramaturgia de Marcos Nauer e de Teresa Frota
“O último lutador” narra a história de Caleb (Stênio Garcia), um antigo lutador que teve certa fama na juventude, mas que, na velhice, ganha dinheiro com brigas de galo. A peça começa no fim do ano de 1992, quando o Brasil amargava as políticas econômicas do então presidente Fernando Collor de Melo. No passado, Caleb pôs seus dois filhos, Tito (Antonio Gonzalez) e Enosh (Glaucio Gomes), no ringue, como inimigos em uma luta da qual só um poderia sair como vencedor. O tempo, porém, não foi suficiente para apagar a mágoa que filhos e pai, desde então, guardam uns dos outros. Na terceira geração, Daniel (Daniel Villas) e Davi (Marcos Nauer), também não têm boas relações com sua família. Reunir todos esses, oferecendo a oportunidade de ressignificar suas existências, e melhorar suas vidas financeiras, é talvez o último desafio que Caleb assume para si.

O drama original escrito por Marcos Nauer e por Teresa Frota tem, entre seus vários méritos, o de apresentar bem a história, os conflitos e a evolução da narrativa. A luta, como oportunidade para a raiva, mas também para a união, surge como símbolo tão controverso quanto potente. O fracasso, real mas também possível, se apõe ao sucesso na mesma medida em que, em sua complexidade, com ele se iguala. O espectador acompanha tudo, elegendo seus favoritos, tomando suas posições. Enquanto isso, pensa em temas como laços de sangue, destino, obstinação e sobretudo no valor que há em acreditar em si próprio e em não perder a chance de recomeçar.

Um traço, no entanto, afasta a dramaturgia do lugar de maior excelência. Por vários motivos da ordem da narrativa, fica mais fácil reconhecer que, entre Davi e Daniel, um deles tem mais chances de vencer em um embate. O problema é que, se a vitória é uma busca pessoal para um, para o outro é também uma questão de sobrevivência. E esse personagem é justamente o mais desprivilegiado pelo texto, inclusive por não ser nem o favorito do seu pai, nem do seu avô. Sem tratar sobre qual dos dois vence no final, nem sequer sobre se um deles chega a vencer, a análise se interroga acerca da relação entre eles. Ela não chega a se estabelecer sobretudo em prol do que cada um sabe que o outro tem a perder com o resultado da disputa. E esse fato, que felizmente não tira o protagonismo de Caleb, nem os méritos dessa elogiável dramaturgia, é perturbador em alguns momentos.

Excelente conjunto de atuações

Daniel Villas, Carol Loback e Marcos Nauer
A direção de Sérgio Módena, assistido por André Viéri, é excelente sob todos os aspectos. “O último lutador” estreia em ritmo exuberante, com cenas rápidas, mas capazes de incluir o público com mais e menos referências. Os códigos são simples, acessíveis e exibem bom gosto. O tempo corre fluentemente e os personagens - uns mais, outros menos - têm boas oportunidades. É na qualidade do conjunto de interpretações, no entanto, que se vê o maior mérito de Módena nesse trabalho.

Todas as interpretações são positivas. Mari Saade acerta em investir na caricatura como meio de defender sua Débora, esposa do personagem Daniel. Glaucio Gomes perde oportunidades de apresentar melhor seu Enosh, mas diz o texto com força capaz de segurar o ritmo de suas cenas.

Daniel Villas (Daniel), mas sobretudo Antônio Gonzalez (Tito), Stela Freitas (Diná, a companheira de Caleb) e Carol Loback (Madalena, a produtora e apresentadora de TV) multiplicam ferozmente as potencialidades dos seus personagens, conferindo destaques muito positivos a eles e ao todo.

Com enorme carisma, Marcos Nauer (Davi) ganha o público facilmente em ótima performance. Stênio Garcia (Caleb) comemora o seu aniversário de carreira em trabalho que ratifica suas habilidades enquanto intérprete. Em termos de movimentação, gestual, ritmo e de intenções, eis aqui uma atuação de primeira grandeza.

Quanto ao cenário de Aurora dos Campos, à luz de Tomás Ribas e ao figurino de Antônio Guedes, “O último lutador” também tem muitos méritos. Destaca-se, porém, mais uma vez, a colaboração de Marcelo Alonso Neves na criação da trilha sonora original e na direção musical do espetáculo.

A luta contra o isolamento
Partindo de um tema pelo qual o teatro pouco se interessa, a luta livre, “O último lutador” inclui mais uma vez um debate que vem se tornando comum na grade de programação do teatro carioca: os laços familiares. O valor que a sociedade contemporânea tem dado para outros tipos de laços afetivos não tira da família, seja ela como for, seu lugar de importância. A luta não se dá afinal entre os modelos de relações familiares, mas a peça sugere a importância do combate que nós talvez precisamos travar contra o isolamento. Eis um belo espetáculo a ser visto e aplaudido!

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FICHA TÉCNICA
Ideia Original: Marcos Nauer
Texto: Marcos Nauer e Teresa Frota
Supervisão de dramaturgia: Teresa Frota
Direção: Sergio Módena
Elenco: Stênio Garcia, Stela Freitas, Marcos Nauer, Antonio Gonzalez, Glaucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback
Diretor assistente: André Viéri
Cenário: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Antonio Guedes
Música Original: Marcelo Alonso Neves
Fotografia: Milton Menezes
Instrutor de lutas: Milton Vieira – Rio Fighters
Instrutor de jeet kune do: Paulo Oliveira – Kalirio
Preparador corporal para o tango: Edio Nunes
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos e Programação Visual: Milton Menezes
Assistente de produção: Luana Simões
Produção: Norma Thiré e Frederico Reder
Realização: Brainstorming Entretenimento e Quarta Dimensão Entretenimento