quinta-feira, 3 de março de 2016

Cinco Júlias (RJ)

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Foto: Kaio Caiazzo

Bruna Hamú, Carol Garcia, Gabi Porto, Malu Rodrigues e Isabella Santoni

A proposta de um musical indierock

O maior mérito de “Cinco Júlias” é o modo como o espetáculo conversa com uma geração pouco contemplada no teatro: a dos anos 90. Escrita e dirigida por Matheus Souza, a produção deixa ver uma estética que caracteriza a controversa geração Y, aquela que já era adulta quando a internet chegou, mas não velha o bastante para curti-la desde o seu início. Bruna Hamú (verde) e Isabella Santoni (amarela), mas principalmente Gabi Porto (laranja), Malu Rodrigues (rosa) e Carol Garcia (azul) são cinco Júlias cujas vidas se cruzam na noite em que o mundo virou de cabeça para baixo. Na história, um grupo de hackers invadiu todas as redes sociais e publicou, em um site chamado uLeaked.com (“vazado”), todo o conteúdo que até então estava privado: fotos, mensagens inbox, e-mails. Com belíssima direção musical de Pablo Paleologo e colaborações interessantes da luz de Rodrigo Belay, do cenário de Miguel Pinto Guimarães e dos vídeos de Dudu Chamon, apesar de longa, a peça tem presença marcante na programação teatral do Rio. Ela está em cartaz no congelante Teatro das Artes, no Shopping da Gávea.

A geração Y
Para quem nasceu do início dos anos 80 ao dos 90, o mundo não é tão colorido como era para os hippies e nem tão precursor como para os yuppies. Paira uma ânsia pela calma, mas ao mesmo tempo a consciência de que é na tempestade em que se lembra de que se está vivo. A internet, que revolucionou o mundo e nele as relações entre os homens, não apagou a lembrança de quando se deixavam mensagens em secretárias eletrônicas, se compravam CDs e se faziam pesquisas em enciclopédias. Essa melancolia burguesa não esconde a autocrítica junto ao lamento, o medo junto da euforia, a preguiça junto com o orgulho. “Cinco Júlias” proporciona essa reflexão através do seu ideário estético, mas perde inúmeras possibilidades de dar conta do recado com mais eficiência.

Nessa dramaturgia de Matheus Souza, não há história o bastante para cento e vinte minutos de espetáculo. A peça abre com monólogos em primeira pessoa em que cada uma das cinco personagens – todas elas têm o mesmo nome – se apresenta. Esse trecho dá lugar para a situação em que elas se conheceram e essa para o final acrescido de um epílogo. Uma hora depois de ter começado, o espetáculo, na ordem da dramaturgia e da encenação, apresenta uma sucessão de fins que confirmam as expectativas, oferecendo mais do mesmo em uma gordura cansativa.

A amizade une duas Júlias opostas, o sexo outras duas também diferentes. A quinta, que é narradora, participa circuntancialmente do todo. Algumas questões bastante relevantes ficam sufocadas em um conjunto de clichês melodramáticos, que têm algum mérito em uma análise sem preconceitos, mas fazem com que a narrativa perca a força.

Méritos e problemas
De um lado, a excelente direção musical de Pablo Paleologo estrutura um argumento que tem pouca - mas visível - colaboração dos diálogos. Canções de Radiohead, Florence and The Machine, Arcade Fire, Smashing Pumpkins e outras bandas, interpretadas ao vivo pelas atrizes-cantoras, pontuam, entre várias outras questões, o contexto essencial do drama. O olhar do outro é fator determinante não apenas na construção da identidade, mas sobretudo de sua autocrítica. No dia em que todos os segredos do mundo foram revelados, a individualidade de cada um(a) entrou em choque consigo mesma. E esse movimento promoveu, para todas as Júlias, uma viagem adentro de si que, no palco, se permite ver através da fuga das personagens do Rio de Janeiro para São Paulo.

Além da música, o cenário em perspectiva de Miguel Pinto Guimarães marca o protagonismo de todas elas através de quem o mundo se vê e é visto. E essa problemática é essencial ao indierockismo de “Cinco Júlias”: o fato de você não saber o mesmo que eu me faz especial, mas só estamos conversando porque há algo em mim que você não sabe e algo em você que eu não sei, mas quero saber.

Por outro lado, as personagens são da geração Z, ou seja, tendo sido já alfabetizadas no computador, sentem a problemática da internet de um modo diferente. Elas, vistas a partir dos coloridíssimos figurinos de João Lamego e da luz de Rodrigo Belay, sobretudo nas partes mais açucaradas da dramaturgia, se pasteurizam. Em outras palavras, o indie vira pop, Bjork fica ao lado de Taylor Swift, o público alvo se indefine e a discussão perde a força (porque se vende). “#meninos e meninas”, assim como “Mamma Mia! – O musical”, só têm nobres valores porque mantiveram-se firmes em suas concepções. Sem comparações, vale lembrar também de "Trilhas sonoras de amor perdidas" e de "Música para cortar os pulsos".

Carol Garcia, Gabi Porto e Malu Rodrigues
Bruna Hamú e Isabella Santoni apresentam bons trabalhos, mas Carol Garcia, Gabi Porto e Malu Rodrigues se destacam positivamente. Seja pela graça da primeira, seja pelas belíssimas vozes das duas últimas, elas garantem os melhores momentos de “Cinco Júlias”. As cinco apresentam valorosas interpretações, defendendo suas personagens e suas questões mais essenciais através de dicção clara, intenções bem postas e de movimentação limpa. Vale também o destaque para os vídeos de Dudu Chamon, elevando as qualidades artísticas do desenvolvimento da proposta inicial com vibrante potência.

Bem como sua equipe, Matheus Souza é um dramaturgo que merece atenção. Aplausos.

*

FICHA TÉCNICA:
TEXTO E DIREÇÃO GERAL: MATHEUS SOUZA
ASSISTE DE DIREÇÃO: HAMILTON DIAS

ELENCO
JULIA 1: GABI PORTO
JULIA 2: BRUNA HAMÚ
JULIA 3: CAROL GARCIA
JULIA 4: MALU RODRIGUES
JULIA 5: ISABELLA SANTONI

DIREÇÃO MUSICAL: PABLO PALEOLOGO
ASSISTENTE DE DIREÇÃO MUSICAL: ANDRÉ SIGAUD E MARCELO DURHAM
PRODUTOR MUSICAL: MARCELO DURHAM
PREPARADORA VOCAL: DANI CALAZANS
DESIGN DE SOM: ROD OLIVIEIRA

Músicos:
BAIXO: MARCELO DURHAM
BATERIA: FELIPE AGUIAR
GUITARRA: ANDRÉ SIGAUD
TECLADO: PABLO PALEOLOGO
VIOLINO: FELIPE VENTURA

COREOGRAFIAS: ANA PAULA BOUZZAS
SAPATEADO: JULIANA MOULIN

CENÁRIO: MIGUEL PINTO GUIMARÃES
FIGURINOS: JOÃO LAMEGO
PRODUÇÃO DE ARTE: BRUNA ZACCARO
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO DE ARTE: MARCIE PORTO
DESENHO DE LUZ: RODRIGO BELAY
VÍDEOS: DUDU CHAMON
MAPPING E VJ ESTRÉIA: DADO MARIETTI
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: KAIO CAIAZZO
ASSISTENTE DE CAMERA: LUIS SIMPSON
ASSISTENTE DE EDIÇÃO: HUGO ROCHA
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: THAIANE MACIEL
ASSESSORIA DE IMPRENSA: LEILA MEIRELLES E MARCELA NUNES
DESIGN GRÁFICO: VENTO ESTUDIO
FOTOS DE DIVULGAÇÃO: PAPRICA FOTOGRAFIA
VISAGISMO: VIVI GONZO
RAFAEL NSAR
DIRETORA DE PALCO: LUCIA MARTINUSSO
CONTRARREGRA: MAYCON SOARES
OPERADOR DE LUZ: MARCELO ANDRADE
OPERADOR DE SOM: RODRIGO OLIVEIRA
VJ TEMPORADA: BRUNO GRIECO
EQUIPE DE PRODUÇÃO: LEILA MEIRELLES
MARCELA NUNES
PRODUÇÃO EXECUTIVA: ANA MOTA
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: TATIANNA TRINXET