quarta-feira, 9 de março de 2016

O primeiro musical a gente nunca esquece (SP)

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Foto: divulgação


Marcelo Varzea e Amanda Costa

Bia Montez e elenco brilham no mais novo musical da Aventura Entretenimento

“O primeiro musical a gente nunca esquece” é a nova produção da Aventura Entretenimento, que assinou recentemente bombas como “Barbaridade” e maravilhas como “SamBRA”. Rodrigo Nogueira, apesar da enxurrada de críticas negativas aos seus últimos trabalhos, assina mais um péssimo texto, mas dessa vez também uma ótima direção. Talvez esse seja o seu melhor caminho como artista. Ao longo de cem minutos com intervalo, uma colagem de recriações dos comerciais mais famosos da história da televisão brasileira divide espaço com cenas clássicas do gênero comédia musical. Na história, a dona de casa Dora sofre a desatenção do marido Franco com quem está casada há vinte anos. Suas alternativas para ganhar espaço, no aniversário de união, no entanto, saem pior do que ela esperava. Apesar de machista, o espetáculo agrada pelo ótimo desempenho de todo o elenco principal, coadjuvante e coro. Amanda Costa e Marcelo Varzea, ao lado de Hugo Kerth, Reiner Tenente e mais oito pessoas brilham em cena, mas Bia Montez tem glorioso destaque. Depois de temporada em São Paulo e no Rio, a peça há de fazer outras apresentações pelo país.

Texto apresenta uma opinião machista sobre o casamento
A protagonista Dora (Amanda Costa) vê, no aniversário de vinte anos de casada, uma oportunidade de retomar o contato com Franco (Marcelo Varzea), seu amado marido. Apesar de morarem na mesma casa e tratarem-se cordialmente, é como se os dois não falassem a mesma língua. Ela gosta de musicais e ele é fissurado pelo seu trabalho como publicitário. Os dois estão há um certo tempo sem relações sexuais, mas a problemática fica mais clara quando ele, tendo esquecido da data comemorativa do casal, prefere celebrar os oitenta anos da primeira transmissão de TV no mundo (22/03/1935 na Alemanha (de Hitler)).

Aos poucos, amigos próximos do casal tomam conhecimento da questão que os envolve: a vizinha Madalena (Bia Montez), seu neto Leonardo (Hugo Kerth) e Eliseo (Reiner Tenente), sócio de Franco. Todos se compadecem de Dora, mas, por motivos óbvios, resistem em se intrometer. Sem modificações, as quatro cenas iniciais repetem o que disse a primeira e, até o intervalo, a pouco o espectador assistirá além da ratificação desse quadro de oposições entre o universo de Dora e de Franco.

O maior problema da dramaturgia de “O primeiro musical” se dá a ver no segundo ato. Unicamente dedicada ao cuidado da casa e do marido, Dora, em um momento de fúria, explode, mas, do momento em que as cortinas reabrem até as cenas finais, a personagem é punida como se todo o contexto que antecedeu a sua explosão tivesse inexistido. Os números de musicais que representam Dora perdem gradativamente espaço para os quadros de comerciais de televisão que lembram Franco. No desfecho, talvez não tanto por amor, mas mais por uma questão de sobrevivência, ele abre uma exceção parcial, trazendo o universo dela para o seu próprio. Sem dúvida, o todo revela um posicionamento negativamente conservador.

Ainda em termos de dramaturgia, os personagens secundários de Nogueira têm pouco investimento aqui. Graciosa, Madalena (Bia Montez) permanece linear durante toda a peça sem qualquer alteração. Leonardo (Hugo Kerth), em uma reviravolta nada surpreendente, reproduz um clichê batido. Eliseo (Reiner Tenente) é um publicitário de sucesso em 2015 que não sabe como funciona um smartphone, o que exibe uma falta de compreensão do dramaturgo sobre a diferença entre realismo e verossimilhança. Valorizado pela Aventura Entretenimento, Rodrigo Nogueira ainda não dá sinais aqui de melhora no seu fazer artístico como autor depois de todas as reprovações que já recebeu.

Os méritos da direção de Rodrigo Nogueira e de Tony Lucchesi
“O primeiro musical a gente nunca esquece”, como os primeiros musicais do início do século XX em Nova Iorque e em Londres, tem sucesso inicial garantido por partir de um contexto querido pelo público. De um lado, o universo de Dora é representado por números clássicos da comédia musical. No coro, cada ator representa um deles: “Hair” (Leilane Teles), “Cantando na chuva” (Pedro Arrais), “O mágico de Oz” (Carol Botelho), “O fantasma da Ópera” (Leandro Melo), “A noviça rebelde” (Fabiana Tolentino), “Grease” (Marcelo Ferrari), “Sweet Charity” (Débora Polistchuck) e “Ópera do malandro” (Junior Zagotto), fazendo menções também a outras histórias conhecidas do repertório mundial dentro do gênero. De outro, o antagonista Franco surge através das cenas em que se recriam os comerciais mais famosos da história da televisão brasileira. Em cena, se veem as propagandas da cerveja Brahma, Guaraná Antártica, Estrela, Varig, Bamerindus, Danoninho, Casas Pernambucanas e outros além do sutiã Valisère cuja referência está no título da peça. O público adora!

Bia Montez
Além disso, todo o elenco apresenta trabalho excelente de atuação em que o canto e a dança participam com vitalidade nas coreografias de Rodrigo Negri e de Priscilla Mota e da direção musical e arranjos de Tony Lucchesi. A direção de Rodrigo Nogueira é ágil, é fácil identificar enorme carisma na relação palco e plateia e parte dos problemas da dramaturgia se driblam através dos esforços meritosos que a encenação faz em seu favor. Tudo isso é muito positivo e precisa ser elogiado. Amanda Costa (Dora), Marcelo Varzea (Franco), Reiner Tenente (Eliseo), Hugo Kerth (Leonardo) e principalmente Bia Montez (Madalena) defendem seus personagens com galhardia, apresentando construções com as melhores possibilidades que cada figura parece ter tido. Parabéns!

Há porém um senão que remete à problemática conceitual da dramaturgia. Essencialmente bastante bem composta por novas versões dos musicais tradicionais e por jingles publicitários célebres, a trilha sonora de “O primeiro musical” tem também a participação de três canções originais compostas por Nogueira e por Lucchesi. A última é uma (auto)crítica irônica ao gênero comédia musical, o que é um contrassenso. Em primeiro lugar, há que se considerar como preconceito qualquer avaliação genérica justamente porque ela discorre sobre o todo da produção e não sobre o objeto que ela avalia. Ao contrário do que diz a letra da música, não é valoroso dizer que “o musical é cafona”, embora se possa considerar como cafona essa ou aquela produção. Em segundo lugar, muito parecido com o que foi destacado em “Barbaridade”, esse ponto de vista só exibe o quanto a produção desvaloriza o seu próprio público. Eis um tipo de deboche deplorável, desnecessário, ofensivo e burro.

As colaborações do figurino de Paula Acioly e da iluminação de Adriana Ortiz aumentam as qualidades de “O primeiro musical”, melhorando o ritmo da dramaturgia e reforçando os méritos da encenação. O cenário inóspito de Jackson Tinoco, sem contextualizar bem a personalidade dos personagens em cuja casa se dá a ver toda a história, nem qualquer outra coisa, se perde na tentativa nada articulada de aparecer sozinho.

Uma boa ideia!
“O primeiro musical a gente nunca esquece”, apesar dos problemas apontados, é uma boa peça, divertindo o público sobretudo com as nobilíssimas atuações. É ótimo, além disso, revisitar as propagandas de TV que fizeram a nossa história. Uma boa ideia da Aventura Entretenimento.

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Ficha técnica
Consultoria criativa – Washington Olivetto
Texto e direção – Rodrigo Nogueira
Coreografia – Rodrigo Negri e Priscilla Mota
Direção Musical e Arranjos – Tony Lucchesi
Direção de arte e cenografia – Jackson Tinoco
Figurino – Paula Acioly
Design de som – Carlos Esteves
Iluminação – Adriana Ortiz
Casting – Marcela Altberg
Consultoria publicitária – Lula Vieira
Elenco – Marcelo Varzea, Amanda Acosta, Bia Montez, Reiner Tenente, Hugo Kerth, Marcelo Ferrari, Leandro Melo, Junior Zagotto, Pedro Arrais, Leilane Teles, Fabiana Tolentino, Debora Polistchuck e Carol Botelho
Músicos: Tony Lucchesi (teclado), Alexandre Queiros (teclado e violão), Diogo Gomes (trompete), Thais Ferreira (violoncelo), Luiz Felipe (violino), Pedro Aune (contrabaixo) e Léo Bandeira (bateria)
Realização – Aventura Entretenimento