quinta-feira, 21 de abril de 2016

Fatal (RJ)


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Foto: divulgação



Debora Lamm e Paulo Verlings

Debora Lamm brilha em novo espetáculo de Guilherme Leme Garcia

“Fatal”, mais novo ótimo espetáculo concebido e dirigido por Guilherme Leme Garcia, terminou sua primeira temporada no domingo, dia 10 de abril, no Teatro Oi Futuro do Flamengo. A peça dá continuidade à proposta aberta com “RockAntígona”, de 2010, e com “Trágica.3”, de 2014. Como tem sido a produção desse encenador, trata-se de uma obra para “gente grande” não apenas no que diz respeito ao tema, mas sobretudo à viabilização estética. Garcia exige do público enorme envolvimento e grande capacidade de abstração, oferecendo um certo tipo de deleite elegante, sóbrio e maduro. Em bom trabalho, Paulo Verlings divide o palco com Débora Lamm, essa em uma interpretação diferente do seu habitual, mas como sempre excelente. Isso confirma o seu lugar de destaque entre as melhores intérpretes do teatro brasileiro contemporâneo. Para o prazer do teatro carioca, deseja-se nova temporada à produção!

Excelente dramaturgia de Kosovski, Zanelatto e de Bilac
A dramaturgia de “Fatal” está dividida em três quadros, cada um escrito por um autor diferente. Eles revelam uma (ou algumas) qualidade(s) da paixão, demonstrando o interesse do espetáculo em, através de lugares narrativos diversos, dissertar sobre o tema, sugerindo-o como pauta para reflexão. 

A primeira história, “Monstros: poema em drama para duas vozes e muitos corpos”, foi escrita por Pedro Kosovski a partir do mito de Eros e de Psiquê. Ele aparece em “O asno de ouro”, escrito pelo poeta romano Lucius Apuleio no século II, remetendo à vasta literatura sobre mitologia grega desde “Teogonia”, de Hesíodo, no séculos VII e VI a.C. O deus Eros (Cupido) se apaixona pela bela mortal Psiquê, livrando-a do ódio de Afrodite, que havia determinado que ela se casaria com um monstro.

Depois, vem “Tristão e Isolda Peep Show”, escrito por Marcia Zanelatto a partir da lenda celta. Ela chegou até nós pela conservação de um manuscrito do poeta francês Béroul, que viveu no século XII. O jovem inglês Tristão tragicamente se apaixona por Isolda quando vai buscá-la para que ela se case com seu tio Marcos. O sentimento proibido dos dois amantes permanece após o matrimônio dela até que, à beira da morte, Tristão pede que Isolda venha vê-lo, mas ela chega tarde demais.

A terceira história, escrita por Jô Bilac, é “Kama-Sutra Secreto”. Ela é baseada na mitologia hindu em que consta a narrativa do amor entre Kamadeva e Rati, o deus do amor e a deusa da paixão. Na arte, acumulada desde os tempos de Hesíodo, Kamadeva é representado com um arco e flecha tal qual Cupido. Esse detalhe celebra a abrangência dessa dramaturgia que, dividida em três partes, pode querer dar conta da paixão e de seu poder transformador.

Assim, de um texto em que a relação entre os apaixonados é mais sensível e delicada, “Fatal” avança para um sentimento mais aterrador até chegar a algo mais visceral. O trio Kosovski, Zanelatto e Bilac apresenta aqui excelente trabalho!

O brilho de Debora Lamm
A direção de Guilherme Leme Garcia, assistida por Charles Asevedo, valoriza as palavras ao máximo. As três cenas deixam claro que elas são aspectos essenciais dos contratos estabelecidos pelos personagens-amantes: meio pelo qual a sensualidade se aprofunda e ponto de contato das almas para além do contato corporal entre mortais e deuses. Nesse sentido, a hierarquização dos signos dispostos enfrenta o desafio de não permitir que avancem sobre o lugar da prosódia. O risco de desviar a atenção do público é grande e, por isso, cada outro signo – gestos, luzes, figurinos – atua parcimoniosamente com o todo.

Ao longo da encenação, pouco a pouco, o quadro vai se abrindo. Do sutil colorido das diferentes entonações vocais dos dois atores, passam-se a detalhes de luz que depois vão constituir a moldura do quadro. O cenário ambienta um lugar neutro que talvez seja um espaço etéreo de imaginação e de expectativa onde os amantes se encontram. O figurino também não invade a chance do público de imaginar como são esses personagens e a trilha sonora não se ocupa da responsabilidade do texto e da interpretação quando ao lirismo da dramaturgia. Tudo é muito positivo. A instalação cênica é assinada por Aurora dos Campos (Cenografia) e por Tomás Ribas (Iluminação). O figurino é de Marcelo Olinto e a trilha sonora de Marcello H.

Tudo que se disse sobre Dulcina de Moraes, Henriette Morineau e Marília Pêra, e se diz sobre Fernanda Montenegro e Nathália Timberg, pode ser dito sobre Debora Lamm sem exageros. Capaz de fazer gargalhar e emocionar, com ampla habilidade corporal e vocal em viabilizar todo tipo de quadro expressivo e enorme carisma, ela conduz sua jovem carreira para patamares cada vez mais desafiadores e, por isso, nobres. Em “Fatal”, Paulo Verlings apresenta trabalho mais uma vez bastante meritoso, mas Lamm faz das sílabas convites inegáveis ao interesse pela obra. Juntos, os dois transformam os desafios da obra em seus melhores aspectos.

“Fatal” ratifica o lugar de Guilherme Leme Garcia como um encenador de primeira grandeza no nosso cenário teatral. Aplausos!

*

Ficha técnica:
Dramaturgia: Jô Bilac, Marcia Zanelatto e Pedro Kosovski
Elenco: Debora Lamm e Paulo Verling
Concepção e Direção: Guilherme Leme Garcia
Instalação Cênica: Aurora dos Campos (Cenografia) e Tomás Ribas (Iluminação)
Figurino: Marcelo Olinto
Trilha Sonora: Marcello H.
Colaboração Artística Vera Holtz
Assistente de Direção: Charles Asevedo
Assistente de Trilha Sonora e Guitarrista: Braulio Giordano
Assistente de Cenografia: Paula Tibana
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Visagista: Márcio Mello
Operador de Luz: Willi
Operador de Som: Gutto Dutra
Contrarregragem: Ivar Rocha e Thiago Hortala
Cenotécnico: André Salles
Estagiária de Cenografia: Alice Cruz
Assistente de Produção: Pyetro Ribeiro
Produção Executiva: Maria Albergaria
Direção de Produção: Sérgio Saboya
Assessoria de Imprensa: Bianca Senna e Paula Catunda