quarta-feira, 20 de abril de 2016

Myrna sou eu (SP)

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Foto: João Caldas

Nilton Bicudo

Nilton Bicudo em ótimo trabalho de interpretação

"Myrna sou eu – Consultório sentimental de Nelson Rodrigues" é a mais nova incursão do diretor Elias Andreato no universo desse heterônimo rodriguiano. O personagem, que recentemente foi vivido por Luciana Borghi, agora chega ao Rio de Janeiro em espetáculo muito melhor. Com Nilton Bicudo em ótima atuação, o monólogo estreou em junho de 2013 em São Paulo e está aqui em cartaz, desde 6 de abril, no Teatro Poeira, em Botafogo. É a adaptação da coluna "Myrna Escreve" publicada no jornal carioca Diário da Noite entre março e outubro de 1949 reunida no livro "Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo", da Companhia das Letras. Um ótimo momento da programação teatral carioca na temporada.

A dramaturgia e a direção de Elias Andreato
"Myrna sou eu" é baseado na coluna que anonimamente Nelson Rodrigues (1912-1980) manteve no jornal Diário da Noite. Nessa, o escritor, travestindo-se de uma consultora sentimental, respondia a cartas reais e ficcionais sobre problemas amorosos. Quase nada se sabia sobre quem era Myrna, identidade que se manteve misteriosa também como proposta de marketing. Em mais uma oportunidade dos leitores conferirem esse enorme talento para a escrita, os textos celebram o amor como marca indelével da natureza feminina. Além disso, revelam um conjunto de valores e de situações de toda a ordem que retratam parte do Brasil no fim dos anos de 1940.

Muito mais limpo e ágil que a abordagem anterior, essa nova adaptação de Elias Andreato para a coluna de Myrna agora está positivamente focada nas respostas que a personagem dá às cartas que recebe. Esse é um mérito da dramaturgia. No entanto, se esse espetáculo ainda demora um pouco a engrenar, é porque leva um certo tempo para a plateia entender seu lugar na conversa entre a peça e o público. Eis um desafio da direção que é vencido pelo ator Nilton Bicudo.

Em primeiro lugar, a Myrna da proposta original escreve a pessoas que não vê. Mas, em "Myrna sou eu", enquanto a personagem fala com ouvintes que não vê, também se dirige claramente ao público presente no teatro que vê. Percebe-se que o espetáculo assume esse duplo interlocutor da conversa na medida em que Myrna inclui os espectadores no movimento de olhares, na disposição das intenções das falas, nas reações fleumáticas e na postura sempre virada para a frente. A peça, nesse sentido, parte de um lugar indefinido: ela acontece no interior de um estúdio de rádio que hora se parece um programa de auditório, ora não. E essa indecisão causa um estranhamento que emperra a narrativa no início, resolvendo-se com o tempo.

Em segundo lugar, e aqui um aspecto positivo da direção de Andreato, diferente dos leitores do jornal Diário da Noite, o público da peça "Myrna sou eu" vê quem responde às cartas, vê Myrna. Essa alternativa dramatúrgica modifica radicalmente o contexto da conversação, mas é uma opção plenamente bem resolvida. Substitui-se o mistério do fato jornalístico, sem se excluir o enigma, mas ainda acrescentando-se a graça. O enorme mérito da interpretação de Nilton Bicudo, vencendo os desafios da primeira instância, oferece graça o suficiente para fruir-se "Myrna sou eu" com positiva fluência da metade da peça em diante.

Nilton Bicudo em ótima interpretação
Nilton Bicudo está em ótimo trabalho de interpretação. As palavras de Nelson Rodrigues parecem saborosas em sua boca, as imagens do texto são bem apresentadas, as narrativas têm movimentos no todo e em cada parte. Em todo o monólogo, vê-se o universo particular das cartas que a personagem Myrna comenta, mas mais do que isso suas respostas dão a ver uma parte de si própria. Esse jogo, bem construído pelo ator e pela direção de Andreato assistido por André Acioli, vai envolvendo a audiência pouco a pouco com méritos que dizem respeito ao ritmo e sobretudo à hierarquização dos sentidos.

O cenário do diretor e o figurino de Fabio Namatame, com visagismo de Allex Antonio e de Emi Sato, acrescentam positivamente valores ao quadro visual. De um lado, a época está em relativamente bem definida: a história se passa na primeira metade do século XX. De outro, o cenário, embora em conflito inicial com a encenação, conforme apontado anteriormente, dá a ver um lugar que é misto entre estúdio de uma rádio e escritório de trabalho. São boas as participações da iluminação assim como da trilha sonora, cuja parte original foi composta por Jonatan Harold.

Vale a pena!
Talvez os valores morais que contextualizavam a coluna de Myrna no jornal tenham mudado para a maioria do público. Nesse sentido, para essas pessoas, a contribuição de Nelson Rodrigues através dessa abordagem tão bem feita, vale como ponto de referência para a avaliação dos dias contemporâneos. De qualquer modo, trata-se de um dos pontos mais altos de nossa literatura e um ótimo momento no teatro carioca. Vale a pena ver "Myrna sou eu".

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Ficha Técnica:
Texto: Nelson Rodrigues
Adaptação, Roteiro e Direção: Elias Andreato
Diretor Assistente: André Acioli
Interpretação: Nilton Bicudo
Trilha Sonora Composta: Jonatan Harold
Figurino: Fabio Namatame
Visagismo: Allex Antonio
Cenografia: Elias Andreato
Fotos: João Caldas
Projeto Gráfico: Vicka Suarez
Produção: Solo Entretenimento
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação