segunda-feira, 25 de abril de 2016

Roleta-russa (SP)

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Foto: divulgação

Elenco em cena
Ótima versão para teatro do romance de Raphael Montes

Considerado uma das maiores surpresas no teatro paulista no fim de 2015, a peça "Roleta-russa" faz sua última apresentação no Rio de Janeiro na próxima quinta-feira, dia 28 de abril. Trata-se da adaptação para teatro do celebrado romance policial "Suicidas", escrito por Raphael Montes, em cartaz no Theatro Net Rio, em Copacabana. A obra, já traduzida para mais de dez idiomas, foi publicada pela Editora Saraiva/Benvirá e ganhou, entre outros prêmios, o Machado de Assis de 2012. Na história, nove jovens se reúnem no porão de casa de um deles para um suicídio coletivo por meio do jogo roleta-russa. Adaptado e dirigido por César Baptista, o espetáculo tem vários méritos, com destaque para um positivo conjunto de atuações e um excelente desenho de luz de Luiz Antônio Farina.

Sucesso editorial de Raphael Montes
Pouco se sabe sobre a origem do jogo mortal roleta russa, mas é muito provável que sua popularização atribuída aos russos tenha sido sobremaneira um reflexo da Guerra Fria. Uma bala é colocada no tambor de um revolver e os jogadores apontam a arma para a própria cabeça, disparando o gatilho e colocando a sobrevivência nas mãos da sorte. A prática é muito mais um reflexo de uma visão pessimista de futuro, em contexto no qual a vida não tem valor algum, do que uma tola demonstração de coragem e uma sádica experiência sadomasoquista. O romance de Raphael Montes, cuja história se passa no Brasil contemporâneo, denuncia essa terrível realidade.

É uma obra de ficção, mas coberta de fatos verossímeis cujas relações com a realidade são constantemente recuperadas. Na narrativa da versão teatral assinada por César Baptista, de um lado, temos o encontro de cinco mães com a delegada que investiga o caso um ano depois dele ter acontecido. De outro, o relato do personagem Ale (Dan Rosseto), que supostamente foi escrito ao longo da noite em que ele e mais oito jovens morreram. Faltam informações precisas acerca do que de fato ocorreu, mas parte-se do princípio de que havia um contexto mais complexo do que inicialmente se imagina para a participação dos envolvidos. Assim como os leitores do livro, a plateia do espetáculo atende ao convite de voltar no tempo e tentar descobrir alguns dos segredos daquela noite.

Todos os personagens têm em torno de vinte anos. Ale é um jovem escritor que tenta publicar seu primeiro romance. Ele aceita participar da roleta russa porque acredita que seu suicídio lhe conferirá na morte o reconhecimento que não teve em vida. Zak (Helio Souto) é quem propõe o jogo aos amigos. Seus pais supostamente acabaram de morrer em um acidente e talvez o tédio seja o que o levou até sua última noite. Otto (Diogo Pasquim) e Waléria (Virgínia Castellões) estão presos a Zak por segredos que serão revelados. Dan (Emerson Grotti), admirador incondicional de Zak, é mental e fisicamente limitado. Os irmãos Maria João (Lorrana Mousinho) e Lucas (Gabriel Chadan) tocam na banda que Zak lidera. Ritinha (Maria Dornelas) e Noel (Felipe Palhares) são amigos do grupo. O jogo acontece no porão da casa de Zak em uma noite regada à bebida, a drogas e às balas de uma Magnum 608. A porta foi fechada e a chave desapareceu.

O livro de Raphael Montes é um sucesso editorial e a versão teatral tem recebido elogios. A adaptação parece ter conservado o clima do romance: sangue, álcool, sexo, dinheiro e pólvora. A transformação de quase quinhentas páginas para cem minutos de encenação obviamente modifica algumas questões. O leitor convive com os personagens por tempo mais elástico para fruir suas vozes. O espectador da peça, menos envolvido pela imaginação e muito mais pela sensorialidade tem outros desafios. Por vezes, a verborragia constante de Ale, interpretado monotonamente por Dan Rosseto, fica cansativa. O jogo de viabilização das cenas em que os tiros sairão da arma fica, em alguns momentos, previsível. Essas duas questões, ainda que tirem "Roleta-russa" do lugar de excelência, não tiram seus méritos mais importantes que saúdam a produção bem vinda à capital carioca.

Ótima direção de César Baptista
A direção de César Baptista é ótima. Os atores, de um modo geral, apresentam trabalhos regularmente comprometidos com a encenação, em atuações fortes e seguras. Os gestos são limpos, os quadros bem marcados e cheios de potência, a movimentação envolvente. O figurino de Rodrigo Reinoso qualifica o trabalho, dando a ver os personagens e os seus universos particulares de modo eficiente. O cenário de J. Newton Nori participa dos quadros de modo equilibrado dentro da proposta. A trilha sonora do diretor marca o momento atual e colabora na situação da narrativa. A iluminação de Luiz Antônio Faria encontra lugar para alguma poética possível dentro do roteiro policial sobre o qual Montes tem seu sucesso aplaudido.

Quanto às interpretações, a participação das vozes de Adriana Alencar, Amazyles de Almeida, Magali Haddad, Nara Chaib, Paula Lopez e Vera Monteiro, como a delegada e as mães, é o ponto mais sensível da montagem. Limpos e frios demais, esses momentos apenas ouvidos distanciam "Roleta-russa" de sua verossimilhança, trazendo enormes desafios à fruição da peça. Sendo mais claro, mães cujos filhos morreram em uma situação como a inicialmente narrada jamais se comportariam diante do único registro de seus últimos momentos de maneira tão banal como o exposto.

Linear demais, Dan Rosseto (Ale) poucas vezes vence o imenso desafio de seu verborrágico personagem-narrador. As expressões faciais de Helio Souto (Zak) são raramente tão intensas como positivamente são seus gestos, movimentos e nível da voz. Felipe Palhares (Noel), Lorrana Mousinho (Maria João) e Maria Dornelas (Ritinha) sustentam regular tom interpretativo alto, o que é confortável e pouco desafiador. Virgínia Castellões (Waléria), Diogo Pasquim (Otto) e principalmente Emerson Grotti (Dan) aproveitam bastante bem as oportunidades, garantindo boas doses de ironia, balanço rítmico e de profundidade poética às figuras que interpretam.

Aplausos!
O consumo vazio de reviravoltas narrativas de uma história policial merece poucos aplausos quando sua forma serve apenas ao tolo entretenimento. Esse parece não ser o caso de "Suicidas", e certamente não é o de "Roleta-russa". Há nesse segundo pontual reflexão sobre para aonde está indo nossa sociedade, essa cujos valores tem sua avaliação sugerida em sua narrativa. A iniciativa merece ser valorizada! Que venham outras temporadas!

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FICHA TÉCNICA:
Texto: Raphael Montes
Adaptação e direção: César Baptista
Elenco: Dan Rosseto, (ALE) Diogo Pasquim (OTTO), Emerson Grotti (DAN) Felipe Palhares (NOEL), Gabriel Chadan (LUCAS), Helio Souto (ZAK), Lorrana Mousinho (Maria João), Maria Dornelas (RITINHA) e Virgínia Castellões (WALÉRIA).
Figurinos: Rodrigo Reinoso
Trilha sonora: César Baptista
Iluminador: Luiz Antônio Faria
Cenotécnico: J. Newton Nori
Operador de Som: Arno Afonso Friederich Sausen
Operador de Luz: Jorge Leal
Direção de produção: Helio Souto e Virgínia Castellões
Produção Executiva: Maria Dornelas e Felipe Palhares
Fotos: José Luiz da França Neto
Assessoria de Imprensa: Fabio Camara e Minas de Ideias