quarta-feira, 4 de maio de 2016

França Antártica (RJ)

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Foto: divulgação

Dalmo Cordeiro, Amora Pêra, Leonardo Miranda, Mariana Mac Niven e Alberto Magalhães

Superficial

O espetáculo “França Antártica” terminou sua primeira temporada no Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, no último dia 1º de maio. Trata-se de uma comédia idealizada pelos Irmãos Brothers Band, com dramaturgia de Alberto Magalhães e de Cláudio Mendes e direção do segundo. Seu tema versa sobre a França Antártica, projeto francês de colonização do Brasil no século XVI. Não foi boa. A enorme preocupação da montagem em constituir quadros cheios de estética teatral faz a peça se distanciar do foco. Lúdico demais, tudo fica muito superficial, bobo, sem substância. O único trabalho de interpretação relevante é o de Amora Pêra em alguns momentos. Além dela, Marianna Mac Niven, Leonardo Miranda, Dalmo Cordeiro e Alberto Magalhães estão em cena apresentando certa habilidade com instrumentos musicais, mas nada além disso. Foi um programa dispensável na grade teatral carioca.

A França Antártica
A França Antártica foi uma passagem na nossa história muito mais séria do que o espetáculo revela. A história começa em 1550 por ocasião de uma “Festa Brasileira” realizada em Rouen, na Normandia, em homenagem ao rei francês Henrique II. O evento era uma organização dos investidores locais a fim de chamar a atenção do Delfim para a potencialidade comercial do Brasil. Desde o início do século, a França requisitava sua participação no Tratado de Tordesilhas por meio de visitas regulares ao Novo Mundo, de batalhas com os portugueses e espanhóis e de assaltos aos navios mercantes. Na época, 60kg de pau brasil custavam seis ducados, o equivalente hoje a 13 mil reais. Com o mesmo valor, se comprava um papagaio brasileiro que falasse francês, por exemplo. O rei ficou maravilhado com o que viu: exemplares da fauna e da flora brasileira, encenações teatrais, apresentação de mapas e o encontro com índios tupinambás. Assim, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571) foi chamado para entrar na história.

Villegagnon era pessoa de confiança da monarquia francesa. Desde os tempos de Francisco I, ele atuava como oficial e diplomata em nome da França em missões contra os inimigos. A condecoração de Vice-Almirante, por exemplo, veio pelo sequestro da pequena rainha escocesa (católica) Mary Stuart, que depois se casou com o Rei Francisco II, filho de Henrique II, antes de voltar para Escócia e acabar morrendo na prisão da inglesa (anglicana) Elizabeth I. Em 1554, ele veio ao Brasil (a Cabo Frio) pela primeira vez e confirmou ao Delfim a urgência da exploração francesa no Novo Mundo. Dois anos antes, o governador geral do Brasil, o português Tomé de Souza, já havia tratado sobre o Rio de Janeiro com a coroa portuguesa. No entanto, Portugal conseguia manter muito modestamente Salvador e a recém fundada São Paulo de maneira que, em se tratando de Lisboa, o Brasil não oferecia aparentes dificuldades à suposta dominação França.

A grande questão do projeto França Antártica, porém, não era nem economia, nem cultura, mas religião. Essa era a bandeira principal das inúmeras batalhas que se travavam por lá desde o fim da Idade Média. Unida inicialmente pela expulsão dos muçulmanos, a Europa Católica Romana se dividiu. Houve a Reforma Protestante em 1517 na Alemanha, a Inglaterra rompeu com o Vaticano em 1534 e, na Suíça, aconteceu, em 1536, a publicação do livro “Instituição da Religião Cristã”, de João Calvino. Em 1545, Portugal e Espanha se uniram à Itália na defesa da Contrarreforma. No Leste Europeu, tinha os Otomanos. No norte da África, os muçulmanos e, por toda a parte, judeus, ciganos e pagãos que secretamente ainda desafiavam a Inquisição, mantendo suas práticas religiosas. Foi, nesse contexto, que Villegagnon chegou ao Brasil e se encontrou com índios: nus, sem práticas religiosas claras e (alguns) antropófagos.

Relativamente isolados na Ilha Serigipe (ou das Palmeiras), atual Ilha de Villegagnon, hoje colada no Aeroporto Santos Dumont, os franceses viveram aqui entre 1555 e 1560. Eles construíram um forte, estabeleceram boas relações com os índios Tamoios, mas nada além disso. Em meio a disputas internas, muitas delas por causa de questões religiosas das quais os europeus não se viam livres mesmo aqui, a França Antártica sucumbiu. Em 1560, liderada pelo Governador Mem de Sá, uma enorme frota portuguesa destruiu o forte de Villegagnon. Cinco anos depois, um tratado de paz entre portugueses e índios foi firmado e, em março de 1565, o Rio de Janeiro foi fundado por Estácio de Sá. Em 1567, os últimos franceses foram expulsos.

Dramaturgia superficial
A dramaturgia de “França Antártica” cobre essencialmente o período entre 1555 e 1560, utilizando interessantes relatos da época, reflexões contemporâneas e algumas músicas de lá e de cá. Não faz, porém, qualquer reflexão. No início da peça, a hipótese de que, por pouco, o Brasil não teve ascendência francesa não sofre qualquer revisão ao longo da encenação. Em primeiro lugar, o Portugal que chegou aqui em 1500 e a Espanha que mais andou através de nossos rios ao longo do século XVI eram grandes e poderosas nações intercontinentais das quais todos tinham medo.

Em segundo lugar, se com Napoleão a França teve militarmente algum destaque no início do século XIX, na época de Villegagnon, era uma nação dizimada por suas próximas questões internas. A França Antártica não foi, ainda por cima, um projeto social, mas se restringiu à construção de um forte militar. Por fim, não havia contexto possível para a viabilização da utopia da liberdade de culto cristão aqui, lembrando ainda de que Villegagnon não era menos colonizador que os portugueses e espanhois.

Em seu desenvolvimento, o texto de “França Antártica”, assinado por Alberto Magalhães e Cláudio Mendes, colore algumas passagens, mas se exime de oferecer algo mais relevante ao contexto de aniversário de 450 anos do Rio de Janeiro.

Problemas na encenação
A encenação dirigida por Cláudio Mendes se esforça em promover quadros estéticos interessantes, mas tem responsabilidade nos desméritos do espetáculo. Amora Pêra, Marianna Mac Niven, Leonardo Miranda, Dalmo Cordeiro e Alberto Magalhães interpretam figuras neutras que assumem diferentes personagens em cada novo quadro. Logo no início, a peça deixa de ser sobre a França Antártica e passa a ser sobre como os muitos elementos cenográficos (além de figurinos e adereços) vão se envolver com a dramaturgia. De um modo geral, as ações repetem o texto: a encenação ilustra o que está sendo dito redundantemente. O ritmo, assim, se alonga cansativamente.

No âmbito das interpretações, o resultado é ainda mais problemático. Não estão visíveis trabalhos de voz e de corpo e, como o texto não se aprofunda, as atuações ganham maior responsabilidade. No elenco, se vê habilidade no uso de instrumentos musicais, mas pouco além de boas intenções e algum carisma. A única exceção positiva é Amora Pêra em cujas participações se reconhecem ações mais claras, expressões mais pontuais e possíveis níveis semânticos melhor sugeridos.

Uma pena!
“França Antártica” tem cenários e figurinos de Carlos Alberto Nunes, iluminação de Aurélio de Simoni e direção musical de Marcelo Caldi sem destaques relevantes O jogo entre canções contemporâneas com referências ao idioma francês e tupi colabora negativamente com a superficialidade da obra, mas, dentro da proposta, o resultado é bem apresentado.

Talvez melhor recebida no universo do teatro para crianças ou do teatro de rua, dois gêneros específicos e igualmente respeitáveis, a produção surgiu prejudicada pelos desafios que ela mesma não enfrentou. Uma pena!

*

FICHA TÉCNICA
Idealização: Irmãos Brothers Band
Dramaturgia: Alberto Magalhães e Claudio Mendes
Direção: Claudio Mendes
Argumento e Pesquisa: Alberto Magalhães
Elenco / Personagens:
Amora Pêra / Tupinambá, Índia Guerreira, Ministro Du Pont, Português
Mariana Mac Niven / Tupinambá, João Cointa, Evangélico, Artesão, Francês
Alberto Magalhães / Tupinambá, Villegagnon, Índio Velho, Intérprete, Português
Dalmo Cordeiro / Tupinambá, Villegagnon, Emissário de Genebra, Ministro Cartier, Francês
Leonardo Miranda / Tupinambá, Villegagnon, Ministro Richier, Manobreiro, Juiz
Direção Musical: Marcelo Caldi
Cenário e Figurinos: Carlos Alberto Nunes
Iluminação: Aurélio de Simoni
Fotos: Claudia Ribeiro
Programação Visual: Gio Vaz
Direção de Produção: Pagu Produções Culturais – Equipe: Carolina Bellardi e Juliana Soares.
Assistente de Direção Musical: Roberto Kauffmann
Assistência Cenário e Figurinos: Arlete Rua
Patrocínio: Banco do Brasil
Projeto: Dalmo Cordeiro
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany