sexta-feira, 17 de junho de 2016

O bigode (RJ)

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Foto: Aline Macedo

Dulce Penna, João Lucas Romero e Vicente Coelho

Grupo LUPA apresenta novo bom espetáculo

“O bigode” é a primeira versão para teatro da novela homônima do francês Emmanuel Carrére. Assinada por Ricardo Leite Lopes, a adaptação é dirigida por Eduardo Vaccari e traz, no elenco, Vicente Coelho, Dulce Penna e João Lucas Romero, todos em bons trabalhos. Na história, após supostamente ter raspado o próprio bigode, um homem se sente vítima de uma brincadeira feita por sua esposa e amigos. Eles fingem não reparar na mudança de sua aparência, trazendo dúvidas - a ele e ao espectador - sobre se realmente algum dia sustentou um bigode. Aos poucos, a alta comédia vai dando lugar uma situação de enorme tensão em que o protagonista põe em xeque sua identidade. As inúmeras qualidades estéticas do cenário e do figurino de Carla Ferraz, ao lado da luz de Vitor Emanuel e da trilha sonora original de Arthur Ferreira garantem a felicidade do programa. A peça fica em cartaz no Teatro Maison de France, no centro do Rio de Janeiro, até o próximo domingo, dia 26 de junho.

Problemática passagem da comédia para o drama: o emburacamento
É quase como se fossem duas peças em uma. “O bigode” começa leve, com diálogos irônicos, situações complexas e quadro relativamente cômico. João Lucas Romero interpreta o Narrador da história de Marc (Vicente Coelho), em volta de quem toda a história acontece. Enquanto se arruma para um jantar, ele resolve modificar sua aparência, raspando o bigode. O fato de sua esposa Agnès (Dulce Penna) não notar a mudança na aparência é imediatamente considerado uma brincadeira, dado que ela é afeita a isso. Ocorre que o amigo também não comenta a alteração e, a partir daí, a confusão se estabelece. Quem está certo? Marc raspou o bigode ou nunca o teve, como todos afirmam?

A história se passa na segunda metade dos anos 80 e começa em Paris, mas depois vai para a Ásia. Suas próprias imagens em fotografias e principalmente a impressão de estranhos e de desconhecidos sobre sua imagem fazem Marc colocar em xeque sua identidade. Em “La Moustache”, novela que Emmanuel Carrére lançou em 1986 e que ele próprio o roteirizou e dirigiu no cinema em 2005, paira a importância do olhar do outro na construção do eu. O tema, nas últimas décadas, tem motivado diversas reflexões acadêmicas no campo da comunicação, da psicologia e da antropologia.

O desafio da manutenção de ritmo da encenação de “O bigode” é enorme e a montagem dirigida por Eduardo Vaccari quase não o vence. O problema diz respeito à recepção. Com estranhamento, o espectador se vê diante de uma narrativa que é sobre uma doença, embora inicialmente parecesse uma questão frugal. A leveza introdutória com que o personagem Marc reage ao comportamento dos amigos se torna um autodiagnóstico doentio. Considerando que ninguém fica doente porque quer e que, sob nenhum aspecto, isso é algo bom, a passagem da comédia para o drama traz consequências. A peça “emburaca”, o ritmo pesa, a atmosfera fica abafada. São as boas interpretações e a nobre qualidade visual que equilibram a dramaturgia.

A nobreza do quadro visual destaca a produção
Nos trabalhos de atuação de Vicente Coelho (Marc), de Dulce Penna (Agnès) e principalmente de João Lucas Romero (Narrador e outros personagens), se destacam a limpeza dos gestos, o esforço na construção da ironia e do segundo sentido bem como a disposição em sustentar o carisma. Amparadas por quadro visual de enorme beleza, as atuações agem dando sentido para o todo de modo valoroso.

O cenário e o figurino de Carla Ferraz elevam o nível estético da obra. Como painel de fundo, o mapa de Paris dá conta de representar um emaranhado de linhas que amparam uma reflexão sobre a complexa mente humana. Duas estantes colaboram com esse grafismo, oferecendo uma nova dimensionalidade além de movimento. O guarda-roupa, todo em tons médios, reforça a elegância do quadro. A luz de Vitor Emanuel, colaborando na profundidade e no movimento possível do desenrolar da narrativa, oferece panoramas em que alternam todo e partes com grande potência. A trilha sonora original de Arthur Ferreira age no mesmo sentido, participando da composição do quadro no vital esforço de situar o público próximo do protagonista. Desse modo, o ponto de vista de Marc acaba por ser quase o da fruição, o que pontua a proposta da dramaturgia de sugerir reflexão sobre identidade e alteridade.

Um espetáculo esteticamente interessante, “O bigode”, segundo trabalho do grupo LUPA, inclui reflexões valiosas à programação de teatro carioca nessa temporada. Aplausos!

*

Ficha Técnica

Autor: Emmanuel Carrère

Adaptação: Ricardo Leite Lopes

Direção: Eduardo Vaccari

Elenco: Vicente Coelho, Dulce Penna e João Lucas Romero

Cenário e Figurinos: Carla Ferraz

Iluminação: Vitor Emanuel

Trilha Sonora Original: Arthur Ferreira

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Programação Visual: Evee Avila e Fernanda Guizan - Balão de Ensaio

Direção e Execução de Produção: Paula Valente e Rubi Schumacher - Curiosa Cultural

Realização: LUPA e Alessandra Reis 27 Produções Artísticas

Patrocínio: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Cultura, por meio do Programa de Fomento “Viva a Arte” 2015





Um comentário:

  1. Comovente a maneira com que se trata o adoecimento mental! Os atores, são impecáveis! A iluminação, efeitos visuais e a sonoplastia muito bem feitos! Valeu enfrentar a noite fria! Parabéns à toda Equipe!

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