sábado, 9 de julho de 2016

A reunificação das duas Coreias (RJ)

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Foto: divulgação

Gustavo Machado, Bianca Byington e Louise Cardoso

João Fonseca dirige precioso elenco em ótimo espetáculo de Joël Pommerat

“A reunificação das duas Coreias” é o mais recente espetáculo com texto do francês Joël Pommerat que ganha sua versão brasileira. Apresentado pela primeira vez em 2013, em Paris, essa obra foi, como as demais desse autor, escrita em processo colaborativo com os atores da primeira montagem. No Brasil, essa produção da Maria Siman vem dirigida por João Fonseca com Louise Cardoso, Bianca Byington, Solange Badim, Marcelo Valle, Gustavo Machado, Verônica Debom e Reiner Tenente no elenco. Trata-se um belíssimo trabalho sob todos os aspectos, mas principalmente no que se refere à atualidade da dramaturgia e à qualidade das interpretações. São dezoito pequenas cenas independentes. Em todas elas, há um belíssimo jogo em que os personagens, através de diálogos brilhantemente escritos e bem ditos, revelam uma alternância entre união e separação. O espetáculo está em cartaz no Teatro Oi Futuro, no Flamengo, até 28 de agosto. Vale a pena assistir!

Mais um Pommerat no Brasil
Duas operárias, de repente, encontram o corpo de um homem enforcado ainda suspenso. A esposa dele, que é colega delas, entra e começa a falar sobre seu marido, sem notar aquilo (nem quem) está pendurado sobre sua cabeça. Nessa cena de abertura de “A reunificação das duas Coreias”, o espectador já tem acesso a todo o jogo da dramaturgia. A esposa fala mal do marido, revelando que o casamento terminou. Isso faz com que as duas amigas se sintam menos desconfortáveis. Então, ela revela que ainda o ama e que tem esperanças de que o relacionamento se restabeleça. Para as duas que, como o público, sabem do que está acontecendo, o problema volta. E se alivia de novo. E retorna outra vez.

Em outra história, uma jovem grávida está em consulta com uma médica. Ela diz que ficou sabendo de uma decisão terrível que a garota tomou e está ali para demovê-la disso. Imediatamente, é possível pensar que se trata de um aborto contra o qual a doutora quer prevenir a paciente. Mas o jogo muda. Nessa cena, como em algumas outras, não há a exata alternância destacada na dramaturgia da primeira, mas um interessantíssimo exercício retórico. Por meio dele, revelações são feitas e essas expõem um panorama complexo acerca do amor na contemporaneidade. No quadro que dá nome à peça, algo similar acontece. Mais uma vez, um marido vem visitar sua esposa que está internada em um hospital. Ela sofre de uma perda de memória crônica que o obriga a se apresentar a ela todo dia, fornecendo as mesmas informações básicas sobre si, sobre ela e sobre a história dos dois.

Há cenas em que um relacionamento antigo surge e oferece outro ponto de vista para os amantes julgarem o compromisso atual. Há outras em que só as memórias do passado bastam para esse reavaliação do presente. Há uma em que um problema antigo permanece na atualidade, sendo talvez aqueloe elo que liga um casal. Ou seja, na peça, o aspecto que articula os quadros é um debate sobre a aproximação e o distanciamento entre duas ou mais pessoas. O maior mérito, além dos aspectos formais do vibrante jogo de evolução dos argumentos nos diálogos, é o fato de Joël Pommerat não fechar a discussão, mas ressaltar sua complexidade e a dos seres humanos sobre os quais ele escreve.

“A reunificação das duas Coreias”, que estreou no mês de junho, é a terceira montagem de texto de Joël Pommerat no Brasil. O primeiro foi “Esta Criança”, dirigido por Márcio Abreu na paranaense Companhia Brasileira de Teatro, e o segundo foi “Estremeço”, por Camila Bauer na gaúcha Cia. Stravaganza. Esses dois últimos estrearam em novembro de 2012.

Em ótimo trabalho, João Fonseca dirige destacável conjunto de atuações
Em termos de encenação, os muitos méritos da dramaturgia chegam ao público brasileiro através da qualidade da direção de João Fonseca e da interpretação dos atores. A versão nacional traz duas cenas a menos que a original e, mesmo assim, o espetáculo às vezes parece longo demais. São dezoito recomeços: os personagens não se repetem, as narrativas são diferentes e o contexto é outro. Lá pelas tantas, o jogo flerta com apreensão de sua estrutura de modo que um certo cansaço pode se estabelecer. Eis onde se vê o esforço da direção em sua maior plenitude. Sem exceção, em todas as cenas, o interesse ou se mantém ativado ou se rejuvenesce positivamente. O modo como o palco italiano serviu para a viabilização dos quadros e a imagem final são outros dois ótimos aspectos dessa direção de Fonseca, assistido por Reiner Tenente e por Pedro Pedruzzi.

Verônica Debom, Reiner Tenente, Louise Cardoso, mas principalmente Solange Badim e Gustavo Machado têm ótimos trabalhos de interpretação ao lado de Bianca Byington e de Marcelo Valle, esses em excelentes contribuições. Eles se revezam em 47 diferentes personagens, protagonizando as dezoito histórias. É uma delícia ver o modo como suas habilidades expressivas são mobilizadas sem que a peça vire uma farsa, mas se mantenha no conceito da complexidade.

Badim e Machado têm vozes nítidas e dicção clara, vencendo o enorme desafio imposto pelo barulho do ar condicionado do teatro (congelando a sessão e a deixando com a aparência de mais longa). A interpretação de Solange Badim para “Love is a losing game” e a de Debom para a versão francesa de “Nuvem de lágrimas” (Chitãozinho & Xororó) são grandes momentos.

Do início ao fim, em todos os quadros, Bianca Byington e Marcelo Valle se destacam em belíssimas atuações. Além de fortes, suas colaborações ressaltam com delicadeza vários tons de profundidade, exibindo excelente aproveitamento de cada oportunidade. Byington, em termos de elegância, talento e de técnica, é a mais perfeita sósia brasileira (apesar de muitas décadas mais jovem) da atriz inglesa Maggie Smith. É um prazer assistir-lhe em cena!

O melhor figurino de Antônio Guedes
Em “A reunificação das duas Coreias”, se vê o melhor figurino assinado por Antônio Guedes em sua carreira. A preferência por tons mais escuros dá uma certa unidade ao todo, sem impedi-la de variações. De um modo geral, as modelagens parecem ser referir ao fim do século XX, pontuando o valor estético da concepção e participando com elegância. O cenário de Nello Marrese possibilita excelente jogo no espaço cênico e, nas oportunidades que encontra, acrescenta detalhes que melhoram o ritmo a partir do despertar da atenção. A luz de Renato Machado e a direção musical de Leandro Castilho também contribuem positivamente em um todo cheio de méritos. 

Eis uma bela produção nessa ótima temporada na grade de programação teatral carioca! Ela diverte e faz pensar e é bastante bem feita. Aplausos!


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Ficha Técnica:
Texto: Joël Pommerat
Tradução: Bia Ittah
Direção: João Fonseca
Direção de produção: Maria Siman e Ana Lelis

Elenco: Louise Cardoso
Bianca Byington
Solange Badim
Marcelo Valle
Gustavo Machado
Veronica Debom
Reiner Tenente

Luz: Renato Machado
Figurinos: Antonio Guedes
Cenários: Nello Marrese
Direção Musical: Leandro Castilho
Assistente de Direção: Reiner Tenente e Pedro Pedruzzi
Produção executiva e administração: Ana Lelis
Assessoria de imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Designer gráfico e fotos: Victor Hugo Ceccato
Realização: Primeira Página Produções 

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