terça-feira, 22 de novembro de 2016

Laura (RJ)

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Foto: divulgação

Fabricio Moser


Ótimo monólogo sobre as avós e seus netos

No ótimo “Laura”, o ator Fabricio Moser oferece ao público uma oportunidade de celebrar com ele as relações existentes entre as avós e os seus netos. Partindo de sua própria história com a mãe de sua mãe, ele constrói um espetáculo interativo e plenamente sensorial em que os laços familiares surgem como elemento forte na construção da identidade de cada um. A peça é repleta de imagens bonitas que fazem valer a pena assistir à montagem que fica em cartaz, em sua quarta temporada, na Galeria do Centro Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá, na zona sul do Rio de Janeiro, até o próximo dia 18 de dezembro. Seu cenário e figurino, ao lado de depoimentos do público, fazem parte de uma instalação que fica aberta ao público também em horários mais amplos.

Dramaturgia sobre histórias e relações familiares
O sul-mato-grossense Fabricio Moser não conheceu sua avó materna porque ela, Dona Laura, foi assassinada na esquina de sua casa em maio de 1982 quando ele ainda não tinha completado um ano de vida. Em “Laura”, o público fica sabendo desde o início que, quando o crime aconteceu, ela estava voltando de um baile aonde havia se divertido com as amigas quando um senhor conhecido por Candoca atirou nela, suicidando-se logo em seguida. O ciúmes é a justificativa mais apontada do crime, esse ocorrido na cidade de Cruz Alta, no noroeste do Rio Grande do Sul, onde ela morava.

Em sua dramaturgia, “Laura” não se concentra nem na biografia da homenageada, nem exatamente nos detalhes em torno de sua morte. Na peça, o texto gira em torno, de um lado, na relação entre as avós e seus netos e, de outro, no mérito do ir em busca da própria história familiar. Mais importante que o primeiro, o segundo acaba valendo como um nobre convite a quem assiste à montagem.

Ao longo da encenação, Moser fala diretamente com o público usando a primeira pessoa em um reforço das marcas que podem fazer esse espetáculo ser recebido como uma obra documental. Objetos de seu acervo particular, depoimentos de outros membros de sua família e seu relato particular de seu próprio processo de pesquisa dividem o lugar com cenas mais poéticas de dança e alguns quadros em que Laura ganha corpo na pele do intérprete.

Na narrativa, há espaço ainda para a participação do público. Em três momentos, a maioria da plateia decide sobre a qual quadro assistir. Em um deles, Moser propõe mostrar um entre três documentos do crime que vitimou sua avó (os autos do processo, a certidão de óbito ou recortes de jornais da época são opções). Em outro, ler um entre três depoimentos de outros familiares de Dona Laura (um filho, uma neta ou outra), que também são parentes seus. Há ainda a possibilidade de Laura benzer algum quebranto de alguém do público, fazer uma leitura de tarot, um chá de baratas ou simplesmente um café. É possível também as pessoas dividirem com os demais presentes suas memórias em relação às suas famílias.

De um modo geral, todos essas opções da dramaturgia colaboram para a construção de um clima afetivo entre palco e audiência sem qualquer desmerecimento das possibilidades estéticas da obra. Música, dança, projeções de vídeo e iluminação principalmente surgem como partes do discurso e não apenas como recursos que o viabilizam. E isso é muito positivo no que diz respeito ao desenvolver do argumento. Sem a presença de uma curva narrativa desde aparentemente sua concepção, o texto de “Laura” atinge seu objetivo, esse que parece ter sido o trato de temas caros à humanidade que estão intimamente ligados: identidade e família.

Espetáculo coeso e coerente
A encenação de “Laura” tem méritos na interpretação de Fabricio Moser e no modo como ele usa os demais elementos para apresentar o espetáculo. A peça abre com um número de chula, uma dança típica do folclore gaúcho, pontuando o lugar de onde a narrativa se conta: o neto e não sua avó. Há a queima de incenso, o que colabora para o teor religioso presente na relação de alguém vivo com alguém que já se faleceu. Fotografias, móveis antigos e cartas valorizam a questão da memória, projeções em vídeo trazem outras pessoas e panoramas à defesa da proposta.

A voz de Moser é baixa, mas clara o bastante para toda a plateia entender o que ele diz e, melhor que isso, sentir-se em um ambiente íntimo. Sua movimentação é calma, o que aponta para um ritmo mais cordial e menos ficcional. Ele opera o som, a luz e os vídeos e troca de figurinos sem sair de cena, o que ratifica o interesse da produção em talvez criar a ilusão somente onde ela for inevitável. Ou seja, em todos os aspectos, o texto espetacular se mostra coeso e coerente, o que justifica os elogios que a ele cabem. Não há grandes méritos em cada parte, mas destacável valor no todo.

Teatro documental
Na programação teatral do Rio de Janeiro, “Laura” está ao lado de “Mamãe”, de Álamo Facó; de “Processo de Conscerto do Desejo”, de Matheus Nachtergale; e de “Estamira – À beira do mundo”, de Dani Barros, entre outros, todos esses monólogos em que seus intérpretes/realizadores tematizam suas próprias histórias e relações familiares. Eis um gênero que ganha força ultimamente e que merece mais atenção pela qualidade com que têm aparecido nos palcos cariocas. Parabéns.

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Ficha técnica:
Criação e Atuação: Fabricio Moser
Colaboração Artística: Ana Paula Brasil, Cadu Cinelli, Francisco Taunay, Gabriela Lírio, Nathália Mello e Rafael Cal
Assistência de Produção: Ricardo Martins
Apoio: Espaço Cultural Municipal Sergio Porto, Secretaria de Cultura, Prefeitura do Rio de Janeiro e Projeto Entre

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