segunda-feira, 21 de novembro de 2016

M.U.R.S. (Espanha)

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Foto: divulgação


Público no espaço onde a peça acontece



O catalão La Furia dels Baus traz ao Brasil seu smartshow M.U.R.S.


“M.U.R.S.” é a quinta produção do grupo catalão La Fura dels Baus que vem ao Brasil. Dirigida por Pep Gatell e por Carlus Padrissa, com colaboração de Jürgen Müller, essa montagem proporciona ao público uma interessante oportunidade estética de vivenciar a proposta e de não apenas assisti-la. Em outras palavras, quem não embarca na ideia corre o risco de aproveitar metade do que é oferecido. Na temática, estão questões caras à contemporaneidade: a tecnologia, a preservação da natureza, as relações interpessoais. A falta de profundidade talvez seja o preço pago pelo nobre interesse em falar de modo claro para muita gente ao mesmo tempo. Depois de quatro apresentações em São Paulo, o espetáculo chegou ao Rio de Janeiro no último dia 19 e fica até hoje, terça-feira, 22 de novembro no Armazém da Utopia, no Boulevard Olímpico (Cais do Porto).

Dramaturgia propõe reflexão sobre a contemporaneidade
Antes da peça começar, o espectador é convidado a fazer download de um aplicativo chamado “M.U.R.S.” no seu celular ou tablet. A palavra, que também dá nome à produção, quer dizer “muros” ou “paredes” e por aí já se tem uma ideia de sobre o que é a proposta. Através do aplicativo, o público será inicialmente dividido pela produção em quatro grupos. O amarelo diz respeito à Segurança, o azul à Bem Estar, o vermelho à Economia e o verde à Meio Ambiente. Em lugares distintos do espaço onde o espetáculo acontece, a cada grupo são apresentadas cenas diversas. Todo mundo assistirá a tudo nessa primeira parte, mas os quadros acontecerão em ordem diversa para cada um. Durante toda a peça, o público assiste à montagem em pé, movimentando-se pelo ambiente.

O mais interessante desse primeiro momento é o modo como as situações se dão. Tudo é positivo, tudo é alegre, tudo é vibrante. É bom sentir-se seguro e valoriza-se o cuidado à saúde. A busca pelo dinheiro diz respeito à liberdade, a preservação do meio ambiente devolve à humanidade momentos de paz. Em todos os aspectos, a tecnologia está a serviço do homem e colabora para o desenvolvimento dos melhores aspectos da sua existência. Lá pelas tantas, porém, todo o quadro se modifica. E é aí que “M.U.R.S.” fica mais interessante em termos de sua dramaturgia.

Um determinado acontecimento modifica as regras do jogo, obrigando os jogadores a enfrentarem uma grande crise. No meio dela, tudo precisará ser reavaliado e, nesse contexto, estarão disponíveis as reflexões mais essenciais que a montagem quer estimular. De que modo a necessidade de sobrevivência interroga os nossos melhores valores? Qual o lugar do dinheiro, do meio ambiente, da tecnologia e da estética quando é preciso lutar para se manter vivo?

Por fim, após o auge da crise, o aparecimento de um “culpado” dá início a uma terceira fase da narrativa. A partir daí, entram em avaliação as cláusulas do contrato das relações pessoais. Dividido entre eu e aqueles que devem ser eliminados, o mundo de “M.U.R.S.” oferece-se como espelho da realidade, convocando seus habitantes à reflexão. O que acontece na peça é uma ótima metáfora para esse mundo “Black Mirror” com o qual temos que lidar cotidianamente.

“M.U.R.S.”, que estreou em junho de 2014 na Espanha, é o quinto espetáculo do grupo catalão La Fura dels Baus (o nome faz referência aos furões – roedores caçadores de ratos – e a um esgoto que existia na cidade de Moià, em Barcelona, até os anos 70). Fundado em 1979, eles vieram para cá, pela primeira vez, em 1991, com “Suz/o/Suz”. Depois, voltaram, em 1997, com “Manes”; em 2010, com “Cielo Arte”; e, em junho de 2016, com “El amor brujo – El fuego e La palavra”. Todas essas produções sempre se marcaram por uma estética em que os limites entre palco e plateia são bem diferentes dos espetáculos tradicionais.

Espetáculo propõe interação
Quanto à encenação, que dura 75 minutos, “M.U.R.S.” valoriza o conceito de performance segundo o qual o espectador não tem o que é encenação e o que não é exatamente claros. Ou seja, reconhecem-se, em alguns aspectos, quem está atuando e quem está só assistindo, mas, em outros, isso não é possível. Além disso, essa produção do La Fura dels Baus pode ficar melhor se a plateia fizer da assistência um meio de participar da peça, entrando no jogo que é proposto. Para isso, será preciso interagir com o aplicativo baixado, com o cenário espalhado pelos quatro ambientes, com atores-performers e sobretudo com as demais pessoas presentes. Desse modo, o espetáculo propõe uma experiência sensorial que pode ser interessante a quem atender aos seus convites quanto à maneira específica de se fruí-la.

Os nove atores europeus e os vinte e oito atores brasileiros que dão a ver a proposta se empenham em, de início, “quebrarem o gelo”, propondo situações que acolham o público, deixando claras as informações necessárias sobre como a peça acontecerá. Depois, esses grupos se dividem entre aqueles que lideram o espetáculo, aqueles que, misturados na plateia, ratificam as marcas de performance e aqueles que garantem a segurança do acontecimento geral. Se talvez não haja um grande trabalho de interpretação, pode ser possível acreditar que a montagem justamente não busque isso, mas ao contrário esteja direcionada para a construção de um espaço mais lúdico que distante. Nesse sentido, a excelência da interpretação deve ser aqui medida pela habilidade de fazer quem veio para assistir entrar na proposta. E isso acontece de modo geral positivamente. Xabier Artieda, María Cadenas, Carles Fígols, Juanjo Herrero, Diana Kerbelis, Blanca Pascual, Rosa Serra, Lawrence Stanley e Sergio Vega são os performers do elenco principal.

O figurino, o cenário de Irene Dobon, de Masters e do grupo, a luz de Pere Anglada e de Marco Mattarucchi, a música de Carles López Campmany e de Àlex Ferrer, o som de Oriol Llistar e principalmente as colaborações relacionadas a vídeo (Sara Lopez e Nico Di Masso), conectividade e a networking (Iglor Audio Solutions, Pedro Lorente, Fran Inglesias e Alicia de Manuel, bem como a interatividade e a programação (Pelayo Méndez e Rafael Redondo) são realmente o diferencial dessa produção. “M.U.R.S.” se apresenta como “o primeiro smartshow da história”, o que é um autoelogio um tanto quanto corajoso (e talvez exagerado), e isso evidencia a força dos seus aspectos tecnológicos.

Ao lado de “Black Mirror”
Produzida há dois anos, “M.U.R.S.” está no Brasil em uma época em que o mundo comenta a série “Black Mirror”, de Charles Brooker, cuja primeira temporada saiu no fim de 2011. Em ambas, há um questionamento sobre o comportamento humano em relação às transformações tecnológicas. Se a obra televisiva atinge o contexto de modo mais profundo, fica a peça valorizada por aquilo em que o teatro tem de mais sublime há três mil anos: uma oportunidade cada vez mais ímpar do homem de estar diante de outro exemplar de sua própria espécie. A temporada brasileira foi garantida pelo Ministério da Cultura, pela Cielo e pela Kabuki Produções.

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FICHA TÉCNICA

Direção:
La Fura dels Baus
Pep Gatell
Carlus Padrissa

Colaboração de criação:
Jürgen Müller

Música:
La Fura dels Baus
Carles López Campmany

Elenco:
Xabier Artieda, María Cadenas, Carles Fígols, Juanjo Herrero, Diana Kerbelis, Blanca Pascual, Rosa Serra, Lawrence Stanley e Sergio Vega.

Technical Management:
Kiku Martínez i Masana

Direção de produção:
Nadala Fernández

Assistência de produção:
Sergio Vega
Helena Fernández García-Ruz

Coproduzida por:
Ono, Le Manege, BCNLab, Grec Festival de Barcelona

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