quinta-feira, 30 de junho de 2016

Entregue seu coração no recuo da bateria (RJ)

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Foto: divulgação

Pedro Monteiro e Gabriela Estevão

Uma das melhores dramaturgias do ano em espetáculo delicioso

“Entregue seu coração no recuo da bateria” é uma deliciosa comédia romântica dirigida por Joana Lebreiro em cartaz no Teatro Gonzaguinha. A peça escrita por Marcus Galiña e por Pedro Monteiro tem esse último no elenco ao lado de Gabriela Estevão e de Jorge Luiz Jeronymo. A história se passa em meio a um desfile de escola de samba na Marquês de Sapucaí. Casada há dez com o mestre-sala Claudinho, a porta-bandeira Ceci descobre mais uma traição do marido logo antes de entrar na avenida e isso pode fazer com que a agremiação perca pontos em sua apresentação para os jurados. Ao som de sambas-enredo famosos de 1984 a 2016, a peça une carnaval e relacionamento em um encontro encantador. A montagem fica em cartaz até o próximo dia 9 de julho no Centro Municipal de Cultura e Cidadania Calouste Gulbenkian, na Praça Onze, na zona central do Rio de Janeiro. 

Excelente dramaturgia de Marcus Galiño e de Pedro Monteiro
Logo depois de ter pego seu companheiro Claudinho (Pedro Monteiro) aos beijos com outra mulher, Ceci (Gabriela Estevão) decide não entrar na avenida ao lado dele. Ela é porta-bandeira e ele mestre-sala de uma escola de samba que está prestes a entrar na Marquês de Sapucaí para mais um desfile de carnaval. O feito reduziria as chances da agremiação em vencer a disputa e, para evitar a derrota, entre em cena o Mestre Dionísio (Jorge Luiz Jeronymo). Ao longo de “Entregue seu coração...”, Claudinho tenta reconquistar o coração de sua esposa, relembrando os bons momentos que viveram juntos e tudo o que ele já fez por ela. Em resposta, ouve outros fatos negativos que antecederam a última traição e, assim, a dramaturgia de Marcus Galiña e de Pedro Monteiro vai atravessando o tempo em ótimo jogo de ações. Discretamente, os diálogos são entremeados por imagens poéticas sobre o universo do samba, do carnaval, da cultura popular.

A direção de Joana Lebreiro oferece o texto a partir da apresentação de quadros visuais potentes em ótima articulação em que os atores unem a habilidade nas falas e nas expressões à da defesa do samba no pé. É bonito de ver como, aos poucos, a peça vai se tornando menos sobre o carnaval e o samba e mais sobre os desafios do relacionamento. Isso faz com que a montagem atinja com mais força o público independente de sua formação.

Uma delícia de espetáculo!
Gabriela Estevão (Ceci), Pedro Monteiro (Claudinho) e Jorge Luiz Jeronymo (Mestre Dionísio) têm enorme carisma e conquistam o público no universo das possibilidades de seus personagens. Há quem torça por ela e por ele e todos percebem o respeito prestado ao terceiro. Tudo isso garante os méritos da narrativa na medida em que uma conversa entre o palco e a plateia é fluente. Jeronymo tem problemas na dicção das palavras finais de cada frase, Estevão usa a voz nem sempre de modo mais positivo e o corpo de Monteiro, em alguns momentos, parece enrijecido demais. De um modo geral, no entanto, todos os resultados são muito bons.

O cenário e o figurino de Marieta Spada são cheios de méritos. Há um nobre exercício de ampliação do palco e de referência à força imagética da Marquês de Sapucaí na oportunidade de desfiles de carnaval. Ele contribui de forma marcante para o espetáculo. A iluminação de Fernanda e de Tiago Mantovani, em íntima articulação com o trabalho de Spada, eleva as potencialidades do todo de modo brilhante. A direção musical de Marcelo Alonso Neves faz excelente contribuição também.

Ninguém duvida de que o Brasil é o país do carnaval, mas “Entregue seu coração no recuo da bateria” nos lembra ainda melhor de que nascemos em uma nação feita de homens e mulheres que se apaixonam. É uma delícia ver esse espetáculo. Aplausos!

*

Ficha técnica:
Texto: Pedro Monteiro e Marcus Galiña
Direção: Joana Lebreiro
Elenco: Gabriela Estevão, Pedro Monteiro e Jorge Luiz Jeronymo
Cenário e Figurino: Marieta Spada
Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Diretora de Movimento: Nathália Mello
Iluminação: Fernanda Mantovani e Thiago Mantovani
Assistente de direção: Brunna Napoleão
Produção: Animart Produções e Pedro Monteiro
Assessoria de Imprensa: Rachel Almeida e Viviane Cabral

Aquele que nasceu (RJ)

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Foto: divulgação


Pedro Uchoa

Formal demais

“Aquele que nasceu” marca a estreia do ator Pedro Uchoa como dramaturgo no monólogo em que ele é dirigido por Adriano Basegio. Nas quatro histórias – “Romeu morreu”, “Ela”, “A vez de Severino” e “O abraço do mar” –, de algum modo, personagens diferentes têm o percurso da vida modificado. O problema é que, na prática, só e justamente o conceito de texto dramatúrgico. Formal demais, a peça oferece pouco além de alguma habilidade em interpretar, mantendo-se fria, distante, pautada na torcida de que essa jovem carreira tenha sucesso. A produção encerrou a temporada ontem, dia 29 de junho, na Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana.

A carência de conteúdo
O único aspecto que pode ligar as quatro histórias que compõem “Aquele que nasceu” é a reflexão sobre a finitude. Em “Romeu morreu”, a célebre tragédia shakespeariana é revista a partir de um Romeu que acabou de falecer. Ele está indignado com a descoberta de que Julieta tomou sonífero, ou seja, não estava realmente morta quando ele, por amor, resolveu tirar a própria vida. Em “Ela”, “A vez de Severino” e em “O abraço do mar”, personagens originais inspirados na vida comum ganham experiências novas ao seu cotidiano, como tomar banho de mar pela primeira vez e se apaixonar. Através dessas, a peça pode se manifestar em favor da morte de comportamentos, posicionamentos ou de situações velhas em substituição a novos percursos.

A falta de outro aspecto que justifique a união das histórias, além de baratear a dramaturgia, aponta para o esforço da interpretação em exibir habilidade na construção de tipos diversos. Ou seja, há um esvaziamento do encontro em favor de uma amostra de talento. Por mais que esse seja grande, não é suficiente para garantir nobreza à produção. Em outras palavras, aplaude-se a coragem de escrever e de atuar, mas não com a mesma força aquilo que se vivenciou na plateia.

Pedro Uchoa faz bom uso da voz e do corpo, alcança certo carisma e, como dramaturgo, oferece imagens interessantes através de bom jogo de palavras. A direção de Adriano Basegio, articulando as habilidades do ator em um quadro de interpretação-narração, pontua momentos limites na estrutura do espetáculo. O feito faz a encenação evoluir pelo espaço e pelo tempo com ótimo ritmo.

Exercício meritoso
Com um palco nu, a luz de Ana Luzia de Simoni e de João Gioia tem enorme responsabilidade. Os desafios são plenamente vencidos em panorama potente e de relativa beleza. O figurino de Renata Mota, de modo positivo, oferece agilidade, garante beleza e mantém vivo o interesse. A trilha sonora de João Ribeiro faz boa colaboração, corroborando com o movimento.

Na cena de abertura, Pedro Uchoa enumera uma longa série de frases em que a justaposição de imagens se empenha em anular o sentido depois de oferecer um lugar que “foi, mas já deixou de ser”. Trata-se, a título de exercício, de uma meritosa composição literária, embora fria, hermética e datada. Esses valores também se atribuem ao espetáculo como um todo.

*

Ficha Técnica
Texto e Atuação: Pedro Uchoa
Direção: Adriano Basegio
Luz: Ana Luzia de Simoni e João Gioia
Figurino: Renata Mota
Trilha Sonora: João Ribeiro
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotografia: Elisa Mendes
Maquiagem: Ana Karenina Riehl
Costureira: Vera Costa
Operador de som: João Ribeiro
Operador de luz: Pedro Meirelles
Voz em off Julieta: Juliana Fernandes
Direção de Produção: Renata Campos

quarta-feira, 29 de junho de 2016

João e Maria - O musical (RJ)

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Foto: divulgação


Alice Maria Paiva, Antonio Carlos Feio e Eduardo Cardoso

Clássico ganha ótima abordagem

“João e Maria – O musical” é a ótima versão de Daniel Porto para o clássico atribuído aos Irmãos Grimm. Na história, um casal de crianças é abandonado pelo pai e pela madrasta na floresta – todos vítimas de uma grande fome que assola a região – e precisa fazer o caminho de volta. Com ótimos trabalhos de interpretação, o elenco é composto por Antonio Carlos Feio, Luciana Victor, Alice Maria Paiva e por Eduardo Cardoso. O espetáculo emociona adultos e crianças, oferecendo níveis diversos para a fruição da história original. A segunda temporada, que aconteceu no Teatro Fashion Mall, terminou no último domingo, dia 26 de junho. 

Vários níveis possíveis de fruição da narrativa
“Hänzel und Gretel” está inclusa nas compilações de histórias para crianças dos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859). No conto alemão, uma grande fome devasta a comunidade onde moram os personagens. Sob inspiração de sua nova Esposa, o Pai (Antonio Carlos Feio) resolve deixar os filhos João e Maria (Eduardo Cardoso e Alice Maria Paiva) na floresta porque não os consegue alimentar. Graças a pedras que brilham à noite, João e sua irmã encontram o caminho de volta para casa. Só que o abandono se repete e a sorte deles já não é a mesma nessa outra situação. Uma casa toda feita de doces aparece diante deles e uma Bruxa (Luciana Victor) os aprisiona, ameaçando comê-los quando estiverem mais gordinhos.

Na plateia, crianças e adultos acompanham a história ao seu modo. Os primeiros estão mais interessados em saber como tudo termina. O segundo pode ficar atento às reflexões sociais que a narrativa oferece. A fome que corrompe as relações, a inteligência que auxilia no drible dos problemas e a importância da união como fonte de energias positivas estão entre elas. Na dramaturgia de Daniel Porto, esses níveis se alternam e contribuem eficazmente na apresentação da história.

As canções originais de Porto e de Tibor Fittel são lindas, mas as letras não têm os mesmos méritos. Em várias delas, as palavras parecem não caber nas melodias em um resultado que deixa a desejar, em alguns momentos, pela falta de fluência.

Ótimos trabalhos de interpretação
A direção de Daniel Porto impõe à cena partituras rígidas que ampliam as possibilidades estéticas da encenação. Há pouquíssimos elementos cenográficos e os figurinos da montagem pouco se modificam, o que enche as interpretações de responsabilidades. O elenco, com sucesso, vence os desafios. Antonio Carlos Feio afasta do Pai a imagem ruim daquele que abandonou os filhos, oferendo ao personagem o aspecto mais humano do homem que não podia sustentar aqueles que ama. Luciana Victor dá força para a Madrasta e para a Bruxa, recorrendo também, quando possível, a aspectos mais humanos, mas sem tirar bom proveito do estereótipo que melhor convém. Eduardo Cardoso (João) e Alice Maria Paiva (Maria) defendem seus personagens-título com grande agilidade e enorme carisma em ótima colaboração.

Os figurinos de Karlla de Luca enobrecem o todo pela riqueza de detalhes, elevando os níveis estéticos do espetáculo positivamente. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do cenário. Dois terços da peça são sobre a fome, mas, durante toda a encenação, o público vê com estranheza uma casa de doces no fundo do palco esperando por seu momento. A cortina participa de modo negativo dessa cabana, desempenhando uma debilitada função na cena em que um forno se faz ver. Os arbustos são baixos demais, assim como a jaula, fazendo com que a imaginação seja obrigatória e não apenas bem-vinda. A iluminação de Guego Lima e de Romiro Vasquez faz bela participação.

Aplausos!
Em “João e Maria – O musical”, duas concepções de sociedade se chocam. O liberalismo justifica o descarte daqueles que não produzem. Um ponto de vista mais humano entende que os deveres de cada um precisam ser medidos com base em suas possibilidades. Além disso, a decisão pela união e a força da esperança, marcas sublimes da humanidade, vibram essa bela história que ganha aqui ótima abordagem. Parabéns!

*

FICHA TÉCNICA
Texto e direção: Daniel Porto
Direção musical: Tibor Fittel
Elenco: Antonio Carlos Feio, Luciana Victor, Alice Maria Paiva, Eduardo Cardoso e Rafael Ballest
Preparação vocal: Tibor Fittel
Cenário e figurino: Karlla de Luca
Videomaker e projeções: Marcio Thees
Iluminador: Guego Lima e Romiro Vasquez
Adereços: Karlla de Luca
Coreografia: Rafael Ballest
Cenotécnico: Ronaldo
Costureira: Bebel Rosa
Preparação corporal e direção de movimento: Paula Feitosa
Design gráfico: Guilherme Lopes Moura
Letras e melodia: Daniel Porto e Tibor Fittel
Produção executiva: Daniel Porto
Direção de produção: Alexandre Lino
Idealização: Alexandre Lino e Daniel Porto

terça-feira, 28 de junho de 2016

Os inadequados (RJ)

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Foto: divulgação


Junior Dantas, Marta Paret, Jefferson Schroeder, Leonardo Bricio, Juliane Bodini, Helder Agostini, Iano Salomão e Luis Antonio Fortes

O 5o ótimo espetáculo da Cia OmondÉ

“Os inadequados” é um ótimo momento na grade teatral carioca. Trata-se do quinto espetáculo da Cia OmondÉ, dirigido por Inez Viana e, dessa vez, com dramaturgia assinada pelo grupo. No elenco, estão Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Juliane Bodini, Junior Dantas, Leonardo Bricio, Luis Antonio Fortes, Marta Paret e Zé Wendell, substituído por Helder Agostini na sessão que aqui se analisa. Cartas escritas a síndicos de condomínios residenciais deram origem à peça que pauta a questão da intolerância nas relações humanas. A simplicidade estética que parece ter sido norteadora da concepção que gerou a obra, na verdade, esconde uma complexa de teia de pensamentos que valoriza o público que pode conferir a montagem até ontem, dia 27 de junho, no Teatro Ipanema.

Um trabalho brilhante!
Eis uma crônica de costumes. A justaposição de diversas narrativas articuladas por um tema comum garante panorama rico. Nele pontos de vista diferentes têm o poder de revelar profundidade a um assunto aparentemente pueril. Em cena, os atores dão vida a pessoas que, através de mensagens escritas, reclamam aos síndicos dos prédios onde moram ou trabalham. Em todas essas reclamações, o comportamento do outro ganha avaliação a partir de padrões pessoais. Aos poucos, na dramaturgia que partiu de uma ideia de Debora Lamm, surge uma profícua reflexão sobre a intolerância nas relações humanas na contemporaneidade. O quanto somos/estamos habilitados a fazer com que a boa convivência com o diferente deixe de ser uma intenção e passe a ser uma realidade? É essa a pergunta que a peça prepara para que o público responda quando sair do teatro.

O título diz respeito a um adjetivo negativo que serve àqueles que não são adequados a uma determinada situação. Nesse sentido, a dramaturgia parte de um lugar de conflito em que, por algum motivo, pessoas que se julgam adequadas se sentem ofendidas por outrem e, por isso, reagem. O mérito maior do texto está nas justificativas que estão nas cartas reais que foram escolhidas pela Cia. OmondÉ na elaboração da montagem. Elas permitem o retrato de um mundo em que enormes conflitos nascem por causa da falência de simples tentativas de bem viver. O recorte, ainda que, em alguns momentos, revele a torpeza de certas personalidades doentias, defende no geral que há trabalho interno a ser feito em cada homem comum antes desse iniciar uma guerra contra outro. E que esse dever precisa ser cumprido.

Em uma análise mais profunda, há uma explosão dos conceitos de monólogo. Ao longo da peça, quem fala é sempre ou um morador ou alguém ligado ao condomínio em questão. Já os interlocutores podem ser divididos entre o síndico a quem a carta é endereça, ao “inadequado” a quem a mensagem se refere” e aos moradores que podem ler a conversa registrada no Livro de Reclamações, além do público que assiste à peça. Essa complexidade das partes que compõem essa conversa fica ainda maior pela justaposição de contextos diferentes. Inicialmente, o esforço dos atores em marcar a identidade de quem reclama e seus argumentos chega a um limite. A partir desse momento e até o fim de “Os inadequados”, fica fácil reconhecer que a Cia. OmondÉ já não está mais falando dessa ou daquela realidade em particular. O grande assunto da peça é a humanidade da qual inclusive todos nós fazemos parte e a intolerância que o grupo identifica negativamente nela. Um trabalho brilhante!

Uma celebração!
Inez Viana, assistida por Helder Agostini e por Lucas Lacerda, oferece mais uma vez um excelente trabalho de direção. Com expressões, gestos e movimentação aparentemente simples, belíssimos quadros fazem a narrativa evoluir e a atenção se manter. O primeiro ápice da encenação é quando Iano Salomão traz para frente uma mesa e, interpretando um síndico que pede a destituição do próprio cargo, pontua que o limite já chegou. Desse momento em diante, a força dos personagens diminui, como já se apontou acima, em favor de um convite a uma reflexão que inclua o público no quadro. Em outras palavras, a Cia. OmondÉ diz que esses personagens somos nós.

Nos trechos finais, “Os inadequados” oferece alternativas para essa humanidade criticada. Entra em cena o poema “Certa gente” da polaca Wisława Szymborska (1923-2012) (pronuncia-se “Visuava Simborshka”) e, através do modo como se dá sua interpretação, pela primeira vez na história do grupo, um espetáculo da Cia. OmondÉ atinge o mais sublime conceito da “celebração”. Esse gesto da direção, por meio da encenação dos atores, oferece à peça outro ápice, maior que o anterior, que é definitivo para os sonoros aplausos finais.

Helder Agostini, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Juliane Bodini, Junior Dantas, Leonardo Bricio, Luis Antonio Fortes e Marta Paret apresentam ótimos trabalhos de interpretação. Todos eles, positivamente sem destaque, aproveitam bem as oportunidades em um todo cujo equilíbrio de méritos parece ser também conceitual. Cenário, figurino e trilha sonora assinados pelo grupo estão plenamente envolvidos com o espetáculo em um todo coeso e meritoso. A luz de Ana Luzia Molinari de Simoni, colaborando de maneira pontual para a beleza dos quadros, é valorosa.

Grandes aplausos
Em “Os inadequados”, a Cia. OmondÉ permanece na investigação de uma linguagem que lhe favoreça e que se favoreça através dela na viabilização de bons espetáculos. Da farsa “As conchambranças de Quaderna” para o trash “Mamutes”, de um neorrealista “Nem mesmo todo o oceano” para um pop “Infância, tiros e plumas”, o grupo segue seu caminho, arriscando-se, investindo, cumprindo sua missão de continuar acima das dificuldades. Trata-se de um grupo que merece atenção, de uma produção (assinada por Claudia Marques) que merece temporadas mais longas e de uma peça que merece grandes aplausos.

*

Ficha técnica
Texto: Cia OmondÉ
Direção: Inez Viana
Direção de Produção: Claudia Marques
Elenco: Cia OmondÉ – Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Juliane Bodini, Junior Dantas, Leonardo Bricio, Luis Antonio Fortes, Marta Paret e Zé Wendell (stand in: Helder Agostini)
Ideia original: Debora Lamm
Assistentes de Direção: Helder Agostini e Lucas Lacerda
Colaboração Dramatúrgica: Helder Agostini
Colaboração Coreográfica: Dani Amorim
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Cenário, Figurino e Trilha Sonora: Cia OmondÉ
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotos de Divulgação: Elisa Mendes
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Assistente de Produção: Thamires Trianon
Produção Executiva: Jéssica Santiago
Realização: Fábrica de Eventos e Eu+Ela

As festas da Tia Ciata (RJ)

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Foto: divulgação

Thania Machado a frente
Mais uma homenagem superficial

“As festas da Tia Ciata”, musical escrito e dirigido por Loly Nunes, participa de modo muito debilitado da comemoração do centenário do samba. A peça, tentando unir a biografia da personagem com questões relativas à vinda dos negros baianos para o Rio de Janeiro e ao preconceito racial que o nosso país ainda enfrenta, acaba por não desenvolver a contento nem um tema, nem outro. Com interpretações muito ruins e defesa de doze questões igualmente cheia de problemas, podem ser encontrados méritos na dança e na parte instrumental da trilha sonora do espetáculo. Dani Stenzel, Flávia Souza, Hugo Germano, Ricardo Lopes, Rudson Martins, Thania Machado e Tuca Muniz, além de cinco músicos, estão no elenco. A produção fez temporada até o último domingo, dia 26 de junho, na Sala Baden Powell em Copacabana.

Dramaturgia perde melhores oportunidades
A peça começa com uma Diretora (Dani Stenzel) chamando os atores para o ensaio de uma peça que tratará sobre a Tia Ciata (Thania Machado). Então, Flávia Enne entra em cena e apresenta a primeira canção do espetáculo. A partir daí, a biografia da personagem título divide lugar com outras questões que, longe de aprofundarem o tema primeiro, colaboram com a superficialidade da narrativa. A baiana Hilária Batista de Almeida (1854-1924) aparece como uma mulher admirável, querida e famosa que fez parte da história do nascimento do samba, mas só isso. Se esses adjetivos podem realmente ser atribuídos a ela, todos eles revelam apenas parte de sua personalidade. Não há crítica, sugestão de reflexão nem qualquer outra colaboração que ofereça a chance ao tema dele ganhar maior valorização. Nisso, “As festas da Tia Ciata” comete vários erros tantas vezes apontados nos inúmeros musicais biográficos que o teatro carioca recentemente produziu.

A dramaturgia de Loly Nunes informa que, nos anos 70 do século XIX, Hilária saiu da Bahia em direção ao Rio de Janeiro. Registros históricos trazem que houve problemas com a polícia e que esses estão no contexto de sua mudança para a corte. Mas que problemas são esses? Por que ela não foi escrava se nasceu dezessete anos antes da Lei do Ventre Livre? Sendo ela uma mulher negra brasileira, qual sua relação com os negros africanos? Como se deu sua união com o primeiro marido e a separação dele? E quanto ao segundo relacionamento? Como ela acendeu ao posto de Mãe de Santo? De que maneira as festas em sua casa se tornaram conhecidas? Qual o contexto de sua transferência para a região da Praça Onze (chamada de “Pequena África” por estudiosos somente nos anos 80 do século XX)? Como sua vida se modificou com a Lei Áurea?

A peça também inclui a popularização de seus quitutes e a contratação de vendedoras auxiliares bem como o aluguel de trajes típicos da Bahia que colaboravam na publicidade de seus produtos. Como essas questões podem auxiliar em uma reflexão sobre as relações de trabalho e também sobre comércio de rua e publicidade no início do século XX? Há a narrativa da cura de uma ferida do Presidente Wenceslau Brás. E que Tia Ciata pediu a ele um emprego para seu marido. Como foi isso? Quanto à polêmica da autoria do samba “Pelo telefone”, que marca o nascimento do ritmo, qual foi a posição de Tia Ciata?

Assim, uma série de questões que podem ser feitas sobre o contexto histórico e artístico que Loly Nunes se arvorou a tratar levaria a dramaturgia do espetáculo para longe da descrição barata do Wikipedia. Ainda que as respostas fossem fictícias, o teatro estaria cumprindo seu papel de modo bem mais valoroso que a homenagem rasteira que aqui essa dramaturgia faz.

Méritos nos números de dança
A direção de Loly Nunes também tem um resultado bastante negativo. Na encenação, os atores ficam o tempo inteiro virados para o público em um gesto expositivo que traz debilidade pela falta de triangulação. A articulação entre as cenas é desequilibrada. O ritmo do espetáculo cai quando a personagem desaparece em favor dos longos diálogos entre os personagens sambistas. Os números musicais, surgidos em uma espécie de aula-espetáculo, não encontram eco na narrativa. A decisão por manter os atores sentados nas margens do espaço cênico ao longo da peça também não tem justificativa clara. Tudo isso revela uma concepção cambaleante na sua incoerência.

Não há trabalhos de interpretação destacáveis positivamente no elenco. Thania Machado, que interpreta a protagonista, esquece frequentemente o texto, prejudicando o ritmo enquanto obriga seus parceiros a improvisar. Hugo Germano viabiliza uma energia fora do tom, desequilibrando o conjunto. Ele e os demais do elenco têm méritos nos números de dança, esses o ponto mais alto de todo o espetáculo e que merecem aplausos.

Nada é pior do que o modo como Dani Stenzel, através de sua personagem Diretora/Narradora, conduz toda a narrativa. Atribuindo um gesto para cada palavra, a intérprete reduz bastante a participação do público no processo de fruição de “As festas da Tia Ciata”. Com um referente interpretativo muito simplório, o péssimo trabalho é irritante.

Sem fazer a lição de casa
São notórias as dificuldades que a Sala Baden Powell impõem às produções musicais no que diz respeito à direção de som, apesar de sua pauta ser relativamente ocupada por espetáculos desse tipo. No caso de “As festas da Tia Ciata”, o resultado negativo se vê no desafino geral do elenco, nos problemas de dicção e no equilíbrio de graves. São nobres os arranjos das belas canções escolhidas e se valoriza positivamente a participação das originais assinadas por Edinho do Samba e por Loly Nunes. Rendem-se elogios ao figurino de Marcia Marques e da diretora pelo modo como os detalhes estão bem cuidados. O cenário e a iluminação pouco participam.

Entre 2013 e 2015, o teatro carioca vivenciou um cansaço dos musicais biográficos que rarearam na última temporada. O conhecimento acumulado nesse período, no âmbito dos acertos e das falhas, merece ser estudado para o bem da grade, pelo mérito da investigação teatral e pela honra dos homenageados. “As festas da Tia Ciata” não fez a lição de casa infelizmente.

*

FICHA TÉCNICA
Roteiro e direção: Loly Nunes
Elenco:
Músicos: Daniel Delavusca, Flávia Enne, Kaka Nomura, Renan Sardinha e Zéh Gustavo
Preparação vocal: Thania Machado
Coreografias: Arthur Rozas
Músicas Inéditas: Edinho do Samba e Loly Nunes
Iluminação: Djalma Amaral
Figurinos e Cenário: Marcia Marques e Loly Nunes
Produção Executiva: Wesley May e Thor Medrado
Marketing Cultural: Glória Diniz

A vida dela (RJ)

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Foto: Fernanda Tomaz


Vandré Silveira, Isabel Gueron e Rodolfo Mesquita

Enormes problemas

“A vida dela” tem enormes problemas na direção e nas interpretações e outros menores no uso de outros elementos. A peça, escrita por Priscila Gontijo e dirigida por Delson Antunes, tem Isabel Gueron, Vandré Silveira e Rodolfo Mesquita no elenco. A interpretação desse último é talvez o único ponto positivo da montagem que terminou, no último domingo, dia 26 de junho, sua temporada no Teatro Café Pequeno, no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.

Profundidade relativamente superficial
A história começa quando os irmãos Izabel (Isabel Gueron) e Jonas (Vandré Silveira) são chamados para vir ao Rio de Janeiro onde ainda moram Eduardo (Rodolfo Mesquita), que é o irmão mais novo deles, e o pai de todos. A convocação se deve a um agravamento do estado de saúde mental de Eduardo aliado a um isolamento do pai, que fica trancado em seu quarto e, portanto, não pode cuidar do filho. Na proposta do texto de Priscila Gontijo, essa nova oportunidade de convivência entre os irmãos impõe a eles a obrigatoriedade do encontro consigo próprios. Construir e defender a identidade diante de quem nos conhece desde a infância é, por vezes, algo mais difícil do que apresentá-la às novas relações.

Infelizmente, os méritos da dramaturgia param na apresentação dos personagens. Há algum avanço na estrutura da situação inicial e deve-se elogiar as intenções de oferecer uma reflexão sobre a identidade no mundo contemporâneo também. No entanto, no texto, Gontijo alterna questões filosóficas com informações referenciais em um todo coberto de clichês, que é bastante ruim. Sobre o primeiro, as cenas engordam com diálogos verborrágicos, esforçados em dar a ver imagens que querem parecer contemporâneas. Sobre o segundo, no meio das frases, os personagens incluem suas profissões, o lugar onde moram, o que fazem, etc., deixando negativamente claro que não estão apenas conversando entre si, mas sendo ouvidos pelo público. Em outras palavras, há uma necessidade da dramaturgia de ser compreendida, o que, em muitos momentos, denuncia sua fraqueza. Tudo aquilo que acontece ao longo de noventa minutos não modifica os personagens nem faz transformar a narrativa. Ao contrário, continua os apresentando enquanto cava oportunidades para pretensas marcas de profundidade relativamente superficial.

Méritos no trabalho de Rodolfo Mesquita
A direção de Delson Antunes, assistido por Renata Caldas, não resolve os problemas do texto, omitindo-se de valorizar seus méritos e agravando seus defeitos. Se a dramaturgia de “A vida dela” parece partir de um lugar neorrealista, a encenação vai para a farsa com vínculos de realismo quebrados a todo o momento. Além disso, durante quase toda a peça, os atores ficam praticamente virados para o público sem triangulação. Há um excesso de olhares para a plateia e de expressões fáticas, construindo, através de uma teatralidade inoportuna, uma comédia que disfarça uma concepção mal construída. Para piorar, os três atores parecem ter tido referências estéticas diferentes, o que revela a falta de coesão da obra como um todo.

Isabel Gueron defende sua personagem através de marcas muito expressivas e um tanto quanto exageradas talvez porque queira “representar” que sua Izabel é uma dramaturga frustrada. Prejudicado pela dramaturgia, Jonas só oferece a Vandré Silveira alguma quebra no terço final da história, quando o cansaço já domina o público. Até lá, sobram regularidade e quase nenhum carisma na interpretação de um cineasta frustrado também. Rodolfo Mesquita, na viabilização de seu Eduardo, é quem colabora com o melhor quadro: seus subterfúgios cômicos trazem respiro à complexidade de sua figura e oferecem ao público a chance de participar, por meio do riso, com a dose de preconceito que a peça pode querer criticar.

Mau uso do idioma teatral
A iluminação de Fernanda e de Tiago Mantovani, o cenário de José Dias e o figurino de Luisa Marcier participam bem, mas se perdem na confusão de propostas estéticas do espetáculo. Na trilha sonora de Rodrigo Maranhão, uma mesma música se repete ao longo de toda a peça ao fim de cada cena em uma exaustiva articulação.

Em “A vida dela”, o idioma teatral aparece usado de maneira pouco habilidosa pelo conjunto de seus realizadores. Com interpretações perdidas e diálogo pouco profícuo entre direção e dramaturgia, o espetáculo falece enquanto o público se entedia.


*

Ficha Técnica:
Texto: Priscila Gontijo
Gênero: Comédia Dramática
Direção: Delson Antunes
Assistente de direção: Renata Caldas
Consultoria: Walter Lima Jr.
Elenco: Isabel Gueron (Izabel)
Rodolfo Mesquita (Eduardo)
Vandré Silveira (Jonas)
Trilha Sonora: Rodrigo Maranhão
Iluminação: Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani
Cenário: José Dias
Figurino: Luisa Marcier
Direção de movimento: Ana Bevilacqua
Programação Visual: Gio Vaz
Fotos: Fernanda Tomaz
Produção: Pagu Produções Culturais

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Bandida (RJ)


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Foto: divulgação

Letícia Iecker, Stace Mayka e Diego Carneiro

Grupo Empório em ótimo espetáculo

“Bandida” é o mais novo espetáculo do Grupo Teatro Empório. A peça, escrita e dirigida por Leandro Bacellar, narra a história do médico Ernando que se nega a beijar sua esposa Cecília, pois acredita que ela tenha saúde frágil demais para isso. Ele, que é amado secretamente por seus cunhados Nelma e Bernardo, enjeita o casamento desse último com Ritinha, mas ela descobre as preferências homossexuais do seu noivo, lendo seu diário. Nesse livro, estão relatos das traições de Cecília com Oswaldinho e com Heitor, esse último apaixonado por Nair, enfermeira de Nelma. Os detalhes da trama e sua solução vêm à tona e a cerimônia corre risco de não acontecer. Através do melodrama, os lados obscuros de cada personagem se revelam em uma "tragédia carioca” com fortíssimas inspirações na obra rodriguiana dos anos 50 e 60. Com Carolina Lavigne e Luciano Borges no elenco, há os bons trabalhos de Letícia Iecker e de Luiz Fernando Lopes nos papeis principais com ótimo participações de Felipe Santoro, Diego Carneiro e de Nívia Terra com destaque para Stace Mayka. A produção termina hoje sua primeira temporada na Sala Bel Garcia da Sede das Cias, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.

Leandro Bacellar e sua dramaturgia rodriguiana
A primeira questão que deve ser esclarecida sobre “Bandida” é sua apresentação como “comédia de costumes” em relação à sua clara inspiração dramatúrgica. Nelson Rodrigues (1912-1980) chamou de Tragédias Cariocas as peças “A falecida” (1953), “Perdoa-me por me traíres (1957), “Os sete gatinhos” (1958), “Boca de ouro” (1959), “O beijo no asfalto” (1960), “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária (1962), “Toda nudez será castigada” (1965) e “A serpente” (1980). Apesar de reflexões em contrário, essas não se tratam de comédias de costumes, termo que pode atualizar para a dramaturgia brasileira o que na Europa se chama de farsa. O que liga os gêneros é a denúncia de um comportamento social corrompido. No entanto, nessa parte da obra rodriguiana, o encontro de personagens realistas naturalistas em uma curva narrativa melodramática pontua uma referência ao tom trágico que os identifica na história. Isso não se vê em comédias de costumes, cujos personagens sofrem de um forte apagamento de suas identidades em favor de suas funções na narrativa, da valorização do ambiente em que vivem e do modo claro com que se reconhece a crítica social.

Leandro Bacellar, no texto de “Bandida”, apresenta personagens fortes demais para serem lidos apenas como instrumentos de crítica social. Suas ações, além disso, são facilmente justificadas a partir de motivações internas: um amor não correspondido (Bernardo), um desejo não realizado (Cecília), a ambição social (Ritinha), a necessidade de vingança (Nelma e Nair), o horror (Ernando), etc. A la Nelson Rodrigues (apesar desse ter fincado seus personagens na sua contemporaneidade), a história de Bacellar se passa em algum lugar temporal nas décadas de 40 e 60 no Brasil: inexistência do divórcio, força dos valores católico-cristãos, gêneros bem definidos, estrutura familiar tradicional. Como nosso mais célebre dramaturgo também, a curva narrativa é bem melodramática: reviravoltas nos contornos, diálogos ágeis e cenas curtas, uso do idioma formal, maniqueísmo. O resultado é uma dramaturgia que só não é maior porque as inspirações são muito claras. Copiar bem um grande mestre, no entanto, é um feito que merece ser aplaudido. Aqui é um caso disso.

Stace Mayka apresenta ótima interpretação
Quanto à direção de “Bandida”, Leandro Bacellar, assistido por Larissa Siqueira, tem méritos também. O espetáculo cresce ao longo de sua apresentação de noventa minutos. Os quadros são bem articulados, as cenas se estabelecem de modo ágil e são bem finalizadas, os signos estéticos – luz, figurino e trilha sonora – têm suas concepções participando da composição do quadro de modo positivamente colaborativo. O conjunto das interpretações sofre pelo piso encerado demais do palco da Sede das Cias. É prejudicado também pelos desníveis das atuações, apesar dos esforços da direção em instrumentalizar o elenco com potente partitura de movimentos e de expressões.

Luiz Fernando Lopes (Oswaldinho) e Carolina Lavigne (Ritinha) apresentam construções apagadas que não sobrevivem nas contracenas. O casal de protagonistas Luciano Borges (Ernando) e Letícia Iecker (Cecília) apresenta bons trabalhos, apesar de um péssimo uso da voz que lhes deixa roucos a partir do meio da sessão. O primeiro não tem nos tons tanto sucesso quanto nas expressões enquanto a segunda se equilibra demais nos movimentos dos braços e usa mal a força. Felipe Santoro (Bernardo), mas principalmente Nívia Terra (Nelma) e Diego Carneiro (Heitor) fazem ótimas contribuições, aproveitando os momentos com visível Inteligência cênica e habilidade técnica. Em destaque, Stace Mayka brilha em oportunidades bem encontradas que se mostram potencializadas a partir de respostas sutis e pontuais.

Vale a pena ser visto!
“Bandida” se constrói a partir de ótimas colaborações da iluminação de Lara Cunha, do figurino de Ramon Alcântara (com visagismo de Rodrigo Reinoso e de Débora Saad) e da trilha sonora. Os três elementos, personagens à parte na narrativa, oferecem lugar para a estrutura de quadros visualmente interessantes e que bem se articulam com o contexto.

Eis um trabalho que vale a pena ser visto!


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FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Encenação: Leandro Bacellar.
Assistente de Direção: Larissa Siqueira.
Direção de Produção: Leandro Bacellar e Luísa Reis.
Produção Executiva: Ramon Alcântara, Marcela Büll, Luciano Borges.
Elenco: Carolina Lavigne (Ritinha), Diego Carneiro (Heitor), Felipe Santoro (Bernardo), Luciano Borges (Ernando), Letícia Iecker (Cecília), Luiz Fernando Lopes (Oswaldinho), Nívia Terra (Nelma), Stace Mayka (Nair)
Iluminação: Lara Cunha
Figurino: Ramon Alcântara
Costuras: Lucia Lima
Direção de Movimento e Coreografias: Rodrigo Gondim
Visagismo: Rodrigo Reinoso e Débora Saad
Programação Visual: Leandro Bacellar
Fotografias para divulgação e Comunicação Visual: Bob Maestrelli
Site: Ana Carolina Vasconcelos
Operador de Som: Maurício Ramos
Operador de Luz: Ramon Alcântara
Técnico de Som e Áudio: Maurício Ramos de Aguiar
Conteúdo: Empório Criativo

segunda-feira, 20 de junho de 2016

VIL (RJ)

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Foto: divulgação

Laura Nielsen

Mais do mesmo

“VIL” é o novo espetáculo dirigido por Renato Carrera. A peça tem dramaturgia assinada pela VIL CIA. a partir de livre inspiração sobre a obra homônima de Rodrigo de Roure. É a última parte da trilogia Tempos de Paz, formada pelo ótimo espetáculo “Hipnose”, de Márcia Zanelatto, e pelo nem tanto “Abajur lilás”, de Plínio Marcos, que estrearam em 2015. Como o anterior, o resultado não é positivo. Uma série tola de palavrões, inúmeras referências escatológicas, cansativa exploração do vermelho, expressões corporais e faciais exageradas e de muitos gritos preenchem monotonamente o quadro. Com cenas e elementos que se apresentam como mais do mesmo, a peça perde a oportunidade de dizer algo mais além do que infelizmente já se sabe: no mundo, há muita violência contra a mulher. No elenco, estão Andreza Bittencourt, Beta Schneider, Dani Ornellas, Larissa Siqueira, Sergio Medeiros, Higor Campagnaro e Laura Nielsen, esses dois últimos em ótimos trabalhos. A trilha sonora original de Alexandre Elias é o melhor dessa produção que está em cartaz no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana até o próximo domingo, dia 26 de junho.

Superficialidade na direção de Renato Carrera 
Dentro de uma hora e meia de peça, oitenta minutos redundam aquilo que se viu nas primeiras cenas. Há uma mulher chamada Marta (Laura Nielsen) que é violentada pelo Marido (Higor Campagnaro). Depois disso, vai sendo possível supor que outras mulheres, amigas de Marta, também sofrem situações parecidas. Vítimas de um lado e algozes de outro, a dramaturgia vai se estruturando com a apresentação do segundo grupo a partir do primeiro. Desse conflito, haverá um assassinato e esse é o único resquício de narrativa aqui. De um modo superficial, depois de valorosamente denunciar a violência, “VIL” parece supor que está, na natureza do homem, violentar a mulher. E que a única forma disso se modificar é as mulheres começarem a ser violentas com os homens. Se o primeiro gesto – a denúncia de algo tão terrível – é louvável, o segundo reduz as reflexões possíveis as quais nossa sociedade anseia.

Com relação às interpretações, a concepção da direção resulta em um desafio muito difícil de transpor. Com raros momentos de exceção, os trabalhos de Andreza Bittencourt, Beta Schneider, Dani Ornellas, Larissa Siqueira, Sergio Medeiros, Higor Campagnaro e de Laura Nielsen ficam regular e monotonamente no nível do exagero. Expressões faciais muito marcadas, movimentos fortes, tons e volumes de voz altos não sofrem quebras que possam garantir maior profundidade.

Rapidamente, o discurso fica desinteressante por mais que tudo aquilo que seja dito em cena seja sério, pontual e com intenções meritosas. Nielsen e Campagnaro, em torno dos quais o pouco de narrativa gira, têm mais oportunidades de exibir variação e essas são agarradas a contento. Destaca-se nele um momento em especial, ao final da peça, em que, através de uma poesia, vê-se um certo tipo de ironia. A cena traz um respiro valioso ao espetáculo, corroborando com maior complexidade. O tema agradece.

Belíssima direção musical de Alexandre Elias
Nos aspectos visuais, tudo redunda também. No cenário de André Sanches, o chão preto ensanguentado da arena é emoldurado por sacos de lixo vermelho e por outros objetos no mesmo tom - além de representações de partes de corpos humanos. Na única mesa, há um moedor com carne crua. O desenho de luz de Renato Machado é predominantemente vermelho. O figurino de Flávio Souza (cujo esforço em transformar camisas em outras peças do vestuário é muito parecido com o de Nívia Faso em “Crônicas de uma cidade Ou Amanhecer abortado”, mas sem tanto sucesso) traz roupas “sujas de sangue”. Ou seja, a cansativa exploração de um mesmo tema é outro aspecto que auxilia nos problemas de ritmo de “VIL”. Perde-se, na construção do sentido, a força do sangue, da carne, do visceral em favor de uma banalidade que, por pouco, não se torna tão cômica quanto nos filmes de Tarantino.

O melhor elemento estrutural de “VIL” é a trilha sonora original de Alexandre Elias. Das inserções de som de máquina de escrever às participações de “Hino ao amor” de Edith Piaf, a ambientação sonora fornece ao quadro um colorido que dá força ao argumento. As belas composições musicais que participam elevam o nível estético da peça.

De resto, “VIL” é um grito com o qual rapidamente se acostuma e, por isso, se torna silêncio. Uma pena!

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FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: VIL CIA, livremente inspirada em texto homônimo de Rodrigo de Roure
Direção: Renato Carrera

Elenco – Personagem:
Andrezza Bittencourt – Lili
Beta Shineider – Tonela
Dani Ornellas - Viola
Higor Campagnaro – Waltinho
Larissa Siqueira – Mãe de Lili e Maria
Laura Nielsen – Marta
Sergio Medeiros - Javali
stand in: Alice Morena

Trilha Sonora Original: Alexandre Elias
Músico Percussionista: Adriano Sampaio
Cenário: André Sanches
Figurino: Flávio Souza
Iluminação: Renato Machado
Preparação Vocal: Ananda Torres
Direção de Movimento: Felipe Koury
Assistentes de Cenário: Débora Cancio e Júlia Saldanha
Assistente de Figurino: Ricardo Martins
Fotos: Elisa Mendes
Filmagem: Elisa Mendes e Daniel de Jesus (Jardimmovel)
Programação e Concepção Visual: Daniel de Jesus
Realização: SESC Rio
Produção: VIL CIA
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

sábado, 18 de junho de 2016

Nós (MG)

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Foto: divulgação

Júlio Maciel, Teuda Bara, Paulo André, Lydia Del Picchia, Eduardo Moreira e Antonio Edson

Com vitalidade, Marcio Abreu dirige novo ótimo espetáculo do Grupo Galpão

Estreou ontem, no Rio de Janeiro, a 23a produção do mineiro Grupo Galpão, uma das mais importantes companhias de teatro do Brasil e do mundo. O espetáculo “Nós” é uma oportunidade que o público carioca tem de celebrar com eles os 34 anos de constituição do coletivo. Em especial, é também um novo meio de se encontrar com um potente trabalho dirigido por Marcio Abreu, que recentemente assinou o excelente “Krum”, que voltará à cidade em breve. Construído coletivamente a partir das inquietações dos realizadores, o texto é assinado por Eduardo Moreira e pelo diretor. Trata-se de uma sinfonia cênica em que a justaposição de sons, ritmos, corpos e de reflexões diferentes por vezes se harmoniza, em outras coexiste, em algumas se atropela. No todo, paira a belíssima e essencial proposta de que a democracia se constrói no jogo cotidiano entre personalidades diferentes, ou seja, nos nós. Além de Moreira, estão no elenco Antonio Edson, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia e Paulo André ao lado da atriz Teuda Bara, essa um dos mais belos monumentos da cena teatral brasileira. A montagem fica em cartaz até o dia 10 de julho no Teatro Sesc Ginástico, na zona central do Rio de Janeiro.

A força da direção de Marcio Abreu
A importância dos diálogos, dos conflitos e das curvas narrativas, assim como da movimentação dos corpos e da composição dos quadros fica em segundo plano. Em “Nós”, o modo como tudo se articula é que é o mais importante. Um grupo de amigos está preparando uma sopa enquanto bate papo sobre questões que, para cada um, pode ter relevância. A memória de sonhos que sobreviveram ao dia, as inquietações sobre grandes acontecimentos públicos (como o assassinato do Rio Doce no fim de 2015) e também menores (o encontro com vítimas do preconceito e com histórias dolorosas de vida), bem como as diferenças que nutrem a relação entre os participantes ganham seu lugar na conversa. Porém, antes que um certo tom banal a la Tchékhov estique o ritmo, a direção de Marcio Abreu, assistido por Martim Dinis e por Simone Ordones, impõe uma nova ordem.

Aos poucos, o discurso dos corpos e das falas reduz o valor semântico das palavras e dos gestos. Em lugar disso, o quadro se movimenta pelo mérito do todo. Como uma imensa onda cuja força circular começa pequena, ganha contornos mais altos até que empurra a água sobre a areia da praia, a peça rasga personagens, falas e marcações, derramando-se do palco e podendo invadir o público. Se o espectador se render ao desejo da cena, - prestando menos a atenção nos significados das palavras e fazendo mais força para não identificar intenções nos movimentos - perceberá a imagem musical de uma sinfonia. Pelo modo como se apresenta, essa não é uma peça comum, com início, meio, fim e personagens em papeis opostos de cuja relação vem um conflito. É uma sensação que tem o poder de te atravessar sem que você reconheça exatamente de onde ela vem, quais suas razões e para onde irá.

Estruturas frasais padrão dão lugar para uma justaposição extrassintática de palavras. Movimentos, gestos e expressões próximas do real além da narrativa são substituídas por partituras corporais absurdas. Na relação entre si, as cenas conservam alguma evolução, mas essa fica cada vez mais rara ao longo do espetáculo. A carismática interpretação da música “Maneiras”, de Sylvio da Silva Jr. (1947-2003), dá lugar a de "Balada do lado sem luz", do Gilberto Gil, com belíssimo arranjo polifônico e essas se completam com a leitura do poema “Agradecimento”, da polaca Wisława Szymborska (1923-2012), sem que haja propriamente uma relação entre elas. O cenário de Marcelo Alvarenga, assim como o figurino de Paulo André e a luz de Nadja Naira, começa coerente, mas depois se subverte também, tudo com grande beleza. Ou seja, todos os signos, comportando-se de modo mais divergente que o contrário, deixam ver um espetáculo que fala de contemporaneidade através de uma estrutura regida também dentro desse sistema de valores.

O valor do encontro e o mérito do nó
Denunciados por Nietzsche e por Foucault, passando por Hanna Arendt e por muitos outros filósofos antes e depois desses, os comportamentos de poder que vigiam e assim dizimam a possibilidade de uma verdadeira democracia nas relações pode ser o tema do espetáculo “Nós”. Diz-se que pode porque, inclusive através do desenho de som de Felipe Storino, a peça se organiza pelo modo aberto do público de exercer a sua interpretação. Em outras palavras, a liberdade da plateia de estabelecer o sentido daquilo que vê é valorizada aqui positivamente. No complexo quadro de personagens e de discursos, fica apenas, de modo claro, a absoluta força de conviver (até quando quiser) entre os diferentes. Eis um manifesto político inteligente, atual e necessário!

Antonio Edson, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André mas principalmente Teuda Bara apresentam belíssimos trabalhos de interpretação. Eles ampliam a capacidade comunicativa dos signos sonoros e visuais, tornando-os não apenas cênicos, mas políticos, filosóficos e sociais na medida em que estão em cena entregues ao contato humano, abertos às possibilidades e habilidosos no ofício de representar. É através disso que “Nós” deixa de ser sobre suas inquietações enquanto Grupo Galpão e se oferece como possivelmente aquilo que toca o público.

Como uma espécie de leitmotiv que identifica a sinfonia, a frase cênica “É pra refrescar!” situa o valor do encontro humano em um mundo tão virtual. Se um nó é um conflito, ele pode ser também a concentração de força. Há movimento na inércia e pode haver inércia no movimento. E é lindo encontrar essa reflexão na grade de programação do teatro carioca. Vida longa ao Grupo Galpão! Aplausos!

*

FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO

Elenco
Antonio Edson
Chico Pelúcio
Eduardo Moreira
Júlio Maciel
Lydia Del Picchia
Paulo André
Teuda Bara

Equipe de criação
Direção: Marcio Abreu
Dramaturgia: Marcio Abreu e Eduardo Moreira

Cenografia: Play Arquitetura – Marcelo Alvarenga
Figurino: Paulo André
Iluminação: Nadja Naira
Trilha e Efeitos Sonoros: Felipe Storino
Assistência de Direção: Martim Dinis e Simone Ordones

Preparação musical e arranjos vocais/instrumentais: Ernani Maletta
Preparação vocal e direção de texto: Babaya
Colaboração artística: Nadja Naira e João Santos
Assistência de Figurino: Gilma Oliveira
Assistência de Cenografia: Thays Canuto

Cenotécnica e construção de objetos: Joaquim Pereira e Helvécio Izabel
Operação e assistência de luz: Rodrigo Marçal
Operação de som: Fábio Santos
Assistente técnico: William Teles
Assistente de produção: Cleo Magalhães
Confecção de figurino: Brenda Vaz
Técnica de Pilates: Waneska Torres
Fotos de divulgação: Guto Muniz
Fotos do programa: Fernando Lara, Gustavo Pessoa e Guto Muniz
Imagens escaneadas: Tibério França e Lápis Raro
Registro e cobertura audiovisual: Alicate
Projeto gráfico: Lápis Raro
Design web: Laranjo Design (Igor Farah)

Direção de produção: Gilma Oliveira
Produção executiva: Beatriz Radicchi
Produção: Grupo Galpão

FICHA TÉCNICA GRUPO GALPÃO

ATORES
Antonio Edson
Arildo de Barros
Beto Franco
Chico Pelúcio
Eduardo Moreira
Fernanda Vianna
Inês Peixoto
Júlio Maciel
Lydia Del Picchia
Paulo André
Simone Ordones
Teuda Bara

CONSELHO EXECUTIVO
Beto Franco, Eduardo Moreira, Fernando Lara e Gilma Oliveira

EQUIPE GRUPO GALPÃO
Gerência executiva - Fernando Lara
Coordenação de produção - Gilma Oliveira
Coordenação de planejamento – Aline Pereira
Coordenação de comunicação - Beatriz França
Coordenação administrativa - Wanilda D´Artagnan
Coordenação técnica e iluminação - Rodrigo Marçal
Produção executiva - Beatriz Radicchi
Cenotécnico - Helvécio Izabel
Sonorização – Fábio Santos
Analista de comunicação - Ana Carolina Diniz
Assistente de planejamento – Soraya Monteiro
Assistente financeiro – Cláudio Augusto
Assistente administrativa - Andréia Oliveira
Auxiliar técnico – William Teles
Auxiliar administrativo – Jonathas Santos
Recepção - Cídia Santos
Serviços gerais – Sandra Bacelar
Gestão financeira de projetos – Artmanagers
Assessoria jurídica - Drummond & Neumayr Advocacia
Assessoria contábil - Maurício Silva
A Petrobras é patrocinadora do Grupo Galpão

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O lago dos cisnes (RJ)

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Foto: Júlia Rónai


Márcia Jaqueline e Moacir Emanuel
Belíssimo espetáculo na programação dos 80 anos do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

A belíssima montagem atual de “O lago dos cisnes” celebra os 80 anos do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, esse com direção artística de Ana Botafogo e de Cecília Kerche. Composta em 1877 pelo russo Pyotr Tchaikovsky (1840-1893), a peça é a mais famosa e popular entre os balés românticos. Criada em 2006, especialmente para o Brasil, a coreografia da russa Yelena Pankova é baseada na tradicional criação assinada pelo francês Marius Petipa (1818-1910) e pelo russo Lev Ivanov (1834-1901), dupla responsável pela versão de janeiro de 1895. Nos papeis centrais dessa temporada, se revezam os primeiros bailarinos Claudia Mota, Márcia Jaqueline, Cícero Gomes, Filipe Moreira e Moacir Emanoel, além dos solistas Carolina Neves, Deborah Ribeiro, Mel Oliveira, Priscila Albuquerque, Priscilla Mota, Anderson Dionisio, Carlos Cabral, Edifranc Alves, Joseny Coutinho, Murilo Gabriel, Rodrigo Negri e Wellington Gomes, ao lado de Karen Mesquita e de Diego Lima, aos quais essa análise principalmente se refere. A produção conta ainda com a participação de alunos da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Com regência do Maestro Javier Logioia Orbe, essa destacável produção fica em cartaz até amanhã, dia 18 de junho, na Cinelândia, zona central do Rio de Janeiro.

O balé entre os balés
“O lago dos cisnes” é a primeira composição para balé de Piotr Ilyich Tchaikovsky, que depois também ficou conhecido por “A bela adormecida” (1890) e por “O quebra-nozes” (1892). Consta que, em 1871, o compositor escreveu uma pequena música chamada “O lago dos cisnes” como presente de aniversário para seus sobrinhos. Ela animava sua versão familiar dos contos “Os seis cisnes”, dos Irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859); “O véu roubado”, de Johann K. Augustus Musäus (1735-1787); bem como das lendas folclóricas “O pato branco” e “A moça cisne”. O projeto se tornou profissional à convite do dramaturgo Vladmir Petrovic Begitchev (1828-1891) que, ao lado de do bailarino Vasiy Geltser, escreveu o libreto peça que estreou em 4 de março de 1877 no Teatro Imperial do Bolshoi. A montagem, com coreografia de Julius Reisinger, recebeu muitas críticas negativas, incluindo as do próprio compositor.

“O lago dos cisnes” ficou mundialmente reconhecido a partir da versão de janeiro de 1895, dois anos depois do falecimento do seu compositor maior. Na origem dessa, está uma apresentação do segundo ato em homenagem a Tchaikovsky, ocorrida poucos meses após sua morte. Com regência do italiano Riccardo Drigo (1846-1930), que reestruturou toda a partitura, compondo alguns números novos, a segunda versão fez enorme sucesso. O primeiro e o terceiro ato foram coreografados pelo francês Marius Petipa (1818-1910) e o segundo e o quarto por seu assistente, o russo Lev Ivanov (1834-1901). A montagem se apresentou à corte russa no Teatro Mariinsky, em São Petesburgo, e, a partir daí, ganhou o mundo.

A história começa quando um feiticeiro chamado Von Rothbart (Joseny Coutinho) transforma uma moça, Odette (Karen Mesquita), em cisne e, depois dela, várias outras a fim de que elas não concorram com a beleza de sua filha Odile (também interpretada por Karen Mesquita). Apenas à noite, elas retornam à figura humana e só um juramento de amor eterno poderia livrá-las da maldição. Perto dali, a corte celebra o aniversário de vinte e um anos do jovem e belo Príncipe Siegfried (Diego Lima). Como presente de aniversário, ele ganha uma besta (um tipo de arco e flecha) com o qual sai para caçar à noite. É aí que ele conhece Odette por quem se apaixona.

De volta à festa de aniversário, várias moças da região são apresentadas ao príncipe para que ele escolha uma com quem possa se casar. Seu coração, no entanto, rechaça todas elas, aparentemente fixado na lembrança de Odette, que conheceu na noite anterior. Mas tudo isso muda quando Von Rothbart chega trazendo sua filha Odile. Ela dança sensualmente diante do Príncipe e conquista sua atenção. Siegfried, por um momento, esquece de Odette e jura amor a Odile, condenando a primeira, que assiste à cena, à maldição eterna. Consciente do terrível mal que causou, ele parte para a floresta em busca do seu primeiro amor.

Na versão de 1895, Siegfried entra em luta com Von Rothbart, quebrando-lhe a asa e acabando com seus poderes. O herói, assim, liberta Odette e todas as demais moças do mal, cansando-se com ela e vivendo feliz para sempre. Dos tempos de Tchaikovsky pra cá, porém, vários outros finais foram apresentados. Há aquele em que Odette morre antes de se libertar do mal de Rothbart, aquele em que Siegfried se mata junto de sua amada (pois só na morte eles estarão livres) e aquele em que o príncipe também é transformado em cisne, entre vários outros. Nesse sentido, em cada nova montagem desse clássico, sempre fica a dúvida sobre qual final será o eleito. Vale a pena assistir à montagem de Yelena Pankova, cuja assistência dessa versão atual foi assinada por Gisèle Santoro, entre vários motivos, para descobrir a opção dos criadores.

Diego Lima e Karen Mesquita

A versão dos 80 anos do Theatro Municipal
A montagem de 2016 traz ao palco do Municipal um excelente espetáculo sob todos os aspectos. Ato após ato, o tablado foi preenchido por números de enorme encantamento em que linhas retas, corpos eretos e posturas rígidas deram a ver a beleza romântica de “O lago dos cisnes”. Entre os solistas, enormes saltos com finalizações aparentemente leves e gestos delicados se alternaram em interpretações destacáveis e cheias de méritos. Logo no primeiro ato, Rodrigo Negri apresentou uma carismática versão de Bobo que, escondendo adequadamente a dificuldade do papel, abriu espaço para os aplausos que toda a montagem foi recebendo em cena aberta durante toda a sessão de quase duzentos minutos.

Joseny Coutinho (Von Rothbart) e Marjorie Morrison (Rainha), com colaborações mais pontuais, marcaram a profundidade do enredo com elogiosa performance. Os passos de dois, de três, de quatro, bem como os célebres segundos e terceiros atos, em que os cisnes no lago e as danças eslavas na festa palaciana têm seu lugar, esticaram os méritos do espetáculo como um todo em coreografias apresentadas em máxima potência. Harmonia nas formas, sensibilidade nas composições e expressões contidas foram fáceis de ser encontradas, garantindo o sucesso da sessão.

Karen Mesquita (Odette/Odile) e Diego Lima (Siegfried) apresentaram trabalhos exultantes da qual pode o Brasil se orgulhar no universo da dança clássica. Suas interpretações, em defesa de movimentos difíceis e igualmente nobres, tiveram grandes momentos sobretudo nos duos mais célebres. Uma noite memorável!

O cenário e o figurino dessa versão de “O lago dos cisnes” duelaram com o brilho dos trabalhos corporais, elevando a incomensurável qualidade do espetáculo. Cada traje, cada peça, todos os ambientes trouxeram êxtase para a sessão em beleza indescritível. A Orquestra, em nobilíssima apresentação, retumbou os nomes de Tchaikovsky e de Drigo na delicadeza dos sons e na força do ritmo em cada movimento dessa narrativa musical tão importante para a história da cultura ocidental.

Nesse momento de festa, o público com o que se orgulhar! Parabéns e vida longa!

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Ficha técnica:

Música – Piotr Tchaikovsky

Coreografia – Yelena Pankova

Coreógrafa Assistente – Gisèle Santoro

Com base na criação original de Marius Petipa e Lev Ivanov

Regência – Javier Logioia Orbe



Primeiros bailarinos – Claudia Mota, Márcia Jaqueline, Karen Mesquita, Cícero Gomes, Filipe Moreira e Moacir Emanoel



Solistas principais – Carolina Neves, Deborah Ribeiro, Mel Oliveira, Priscila Albuquerque, Priscilla Mota, Anderson Dionisio, Carlos Cabral, Diego Lima, Edifranc Alves, Joseny Coutinho, Murilo Gabriel, Rodrigo Negri e Wellington Gomes



Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Diretoras Artísticas – Ana Botafogo e Cecília Kerche



Participação especial:

Alunos da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa

Direção – Maria Luisa Noronha