domingo, 27 de agosto de 2017

Agosto (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral
Foto: Silvana Marques

O elenco

A glória de Guida Vianna!


“Agosto” é a versão brasileira do celebrado “August: Osage County”, texto escrito há dez anos pelo norte-americano Tracy Letts. Dirigida com brilhantismo por André Paes Leme, a montagem é protagonizada por Guida Vianna em excelente trabalho de interpretação. Ao seu lado, Letícia Isnard, Cláudia Ventura, Eliane Costa, Isaac Bernat, Cláudio Mendes, Alexandre Dantas e Lorena Comparato também apresentam ótimos trabalhos de interpretação em elenco também composto por Marianna Mac Niven, Julia Schaeffer e Guilherme Siman. A história gira em torno da família Weston, cujo patriarca desapareceu deixando a esposa e as três filhas sem notícias, mas vai além, dissertando sobre o modo como as relações que as pessoas estabelecem podem interferir em suas personalidades. Esse excelente espetáculo, produzido por Andrea Alves e por Maria Siman, fica em cartaz no teatro do Oi Futuro do Flamengo, na zona sul do Rio de Janeiro, até 17 de setembro.

A dramaturgia premiada de Tracy Letts
Em “August: Osage County”, o lugar e a época em que a história se passa são aspectos bastante relevantes para se perceber os personagens do texto original do norte-americano Tracy Letts. A peça começa com a descrição da casa da família Weston, um lugar velho, grande e empoeirado que sobrevive ao tempo e ao sol escaldante no centro-sul dos Estados Unidos em cujos cômodos toda a história vai se passar. Os donos da propriedade são Beverly Weston (Isaac Bernat) e sua esposa Violet (Guida Vianna). Ele foi um professor universitário que, há quarenta anos, ganhou certo renome nacional como poeta, mantendo-se, porém, durante todos esses anos, sem escrever mais. Ele é casado com Violet Weston, a protagonista da narrativa, que está sofrendo de câncer na boca. Tudo se passa em 2007, durante o mês de agosto. No hemisfério norte, o insuportável calor do verão já deixou de ser bem-vindo e a estação começa a entrar no fim. O ponto de partida da dramaturgia é a contratação de Johnna (Julia Schaeffer), uma descendente de indígenas norte-americanos, que é trazida por Beverly para auxiliar nos cuidados de Violet.

Letts não escreveu aqui uma peça de acontecimentos. O conflito inicial se estabelece quando a irmã e as três filhas de Violet começam a chegar, prestando solidariedade à matriarca quatro dias depois do desaparecimento do pai, o velho Beverly. E o final se dá quando as pessoas vão embora. Nesse sentido, a dramaturgia se estrutura pelo jeito particular como cada personagem se dá a ver a partir do contato com os outros. São as relações diferenciadas que eles têm entre si que vão trazendo à superfície aspectos que estavam escondidos. A casa Weston é um ecossistema. Lá pelas tantas, já não importa mais essa ou aquela formiga, mas o labirinto intrincado que as une e as separa. O calor, a doença, a velhice, o desparecimento, as frustrações, as decepções parecem interferências do dramaturgo para mobilizar os personagens, obrigando-os a se revelar para nós, que estamos de fora.

As meninas Weston são Bárbara (46) (Letícia Isnard), Ivy (44) (Marianna Mac Niven) e Karen (40) (Claudia Ventura). Mattie Fae (Eliane Costa) é a irmã de Violet, que também oferece bases para o contraponto. Bárbara traz seu marido Bill (Isaac Bernat) e sua filha Jean (Lorena Comparato). Karen traz seu noivo Steve (Alexandre Dantas). Mattie Fae vem acompanhada de seu marido Charlie (Claudio Mendes) e de seu filho Júnior (Guilherme Siman). Ivy não traz ninguém. Cada um desses onze personagens são pequenos universos onde o contato com os demais vai interferir do balanço de seus sistemas planetários individuais. No recorte da peça, uns sofrem mais interferências que outros. No primeiro grupo, podem-se ver Violet e Bárbara e depois Ivy, Karen, Mattie e Jean. No segundo, Johana e os homens Bill, Charlie, Júnior e Steve. Isso faz ver outra questão importante para o texto: as oposições entre sol e lua, entre dia e noite, entre claro e escuro, entre homem e mulher.

Aa janelas da casa Weston receberam, por parte de seus proprietários, uma película muito escura que impede com que o sol entre pelas janelas. Assim, no interior, é difícil reconhecer quando é dia ou noite. No embate contra o elemento masculino sol, o elemento feminino lua marca suas posições. Violet anuncia, em um determinado momento, que ela é mais forte que o marido, pois foi ela quem ficou até o fim. “August: Osage County”, título que Letts pegou de um poema de Howard Starcks (1929-2003) é, sim, uma peça sobre família, mas mais do que isso é sobre mulheres e sobre a capacidade delas de se reinventar. E também sobre o que é a força, como ela é e pode ser identificada e para que ela serve.

Nos Estados Unidos, a peça estreou, em junho de 2007, em Chicago, seguida de uma célebre montagem na Broadway. Desde então, recebeu inúmeros prêmios – incluindo o Tony e o Pulitzer – tanto de teatro como de literatura em todos os lugares do mundo onde novas montagens aconteceram. Na noite de natal de 2013, a versão cinematográfica teve lançamento mundial com Meryl Streep no papel de Violet e de Julia Roberts no de Bárbara. As duas receberam indicações ao Oscar de Melhor Atriz e de Melhor Atriz Coadjuvante, entre outras honrarias. No Brasil, a produção recebeu o péssimo nome de “Álbum de família”, uma célebre peça de Nelson Rodrigues que não tem absolutamente nada a ver com Tracy Letts. Desse dramaturgo, “Agosto” é o segundo texto montado no Brasil. Em 2014, Mario Bortolotto, com o grupo Cemitério dos Automóveis, produziu “Killer Joe”, que foi bastante bem avaliada também.

Excelente direção de André Paes Leme
A produção de Andrea Alves e de Maria Siman oferece à direção de André Paes Leme um ponto de partida essencial: a alta qualidade de um elenco numeroso. Em “Agosto”, acontece uma coisa infelizmente rara no país: grandes figurões do teatro brasileiro juntos em cena. Letícia Isnard, Isaac Bernat, Alexandre Dantas, Claudia Ventura, Eliane Costa e Cláudio Mendes se unem a Guida Vianna (Shell de Melhor Atriz em 2004), cujo aniversário de 40 anos de carreira se comemorou em 2015. A estreia dela foi em 21 de outubro de 1975, na peça “O dragão”, de Eugène Scwarz, dirigida por Maria Clara Machado, em que ela interpretava Lídia.

A versão brasileira de “Agosto”, traduzida por Guilherme Siman e adaptada por André Paes Leme, tem um personagem a menos (o Xerife) e é uns 30 minutos menor que a original, mas o corte não reduz os investimentos de Letts felizmente. A opção parece ter atendido a um interesse de equilíbrio, pois é possível pensar que a equalização dos elementos cênicos visaram ao preciosismo da dramaturgia premiada. Dito de outro modo, para haver um texto verborrágico e um jogo de intepretações construído a partir de nuances muito sensíveis, era preciso economizar nas outras marcas estéticas.

Leme, assistido por Anderson Aragón, subverte os espaços, fazendo quadros diferentes dividirem o mesmo lugar no palco. O feito colabora na valorização das relações entre os personagens. Por outro lado, há paisagens coletivas que oxigenam a tensão, sugerindo beleza em panorama tão inóspito. O momento em que os personagens tomam água e a disposição deles na mesa do jantar são exemplos disso. Há ainda a defesa do ritmo: nenhuma fala surge por cima da outra, tudo é bem articulado, cada briga se constrói aos poucos, se desenvolve sem pressa e acaba de modo similar. Isso constrói a linearidade capaz de dar a ver a metáfora que se apontou aqui: não é uma narrativa de fatos, mas uma comentário sobre relações.

A luz de Renato Machado, como sempre apresentando um trabalho inteligente, mantém lâmpadas acesas através de uma tela viradas em direção ao público durante as quase duas horas e tanto de sessão. O resultado é a participação definitiva na construção de um clima sufocante. Seu desenho de luz, talvez o melhor dos elementos visuais de “Agosto”, torna suportável a narrativa, mantendo-a tocante, interessante, envolvente e emocionante para não elogiar mais.

A carência de objetos é positiva e valoriza o texto. Nesse sentido, há que se aplaudir o trabalho de Carlos Alberto Nunes na concepção de cenografia. O figurino de Patrícia Muniz, no mesmo sentido, une as mulheres em guarda-roupas simples e elegantes, com destaque para a regularidade do design dos sapatos. A música de Ricco Viana eleva a qualidade estética do espetáculo através de uma trilha que incide, mas não substitui nem o texto e nem as interpretações positivamente.

A Brava Guida Vianna!
Embora haja trabalhos de interpretação menos interessantes nessa montagem, valem citar positivamente as participações de Cláudio Mendes, de Alexandre Dantas e de Lorena Comparato ao lado das de Eliane Costa, Cláudia Ventura e de Isaac Bernat com destaque ainda para Letícia Isnard e sobretudo para o de Guida Vianna. Aproveitando as possibilidades que o recorte permite para cada construção, esses atores fazem vibrar o texto de Letts e a encenação de Leme nessa produção de “Agosto”.

Ventura deixa ver o quanto as ilusões são essenciais para sua Karen bem como seu esmero em defendê-las como em uma guerra pela sobrevivência. Costa imprime na cena o modo como talvez sua Mattie precisa se defender com acidez do seu presente frustrante. O Bill de Bernat, amarrando-se em calma irônica, garante lugar seguro onde é possível se abrigar contra a mágoa de sua ex-esposa. E a Bárbara de Isnard, pouco a pouco, aceita a missão de tomar o lugar de sua mãe em uma vida conformada, mas nem um pouco menos ácida. Nessas construções, os universos particulares atingem ótimo resultado, mas nem um é apresentado de modo tão excelente quanto o de Guida Vianna.

Em cada nova entrada entre as muitas de Violet no texto, Vianna está cada vez melhor. Sua voz clara e possante não esconde as nuances, mas as valoriza. Seu corpo está plenamente entregue ao trabalho, suas intenções atingem a audiência em um misto de força e de sensibilidade, seus olhares deixam ver que há várias dimensões em cada reação. Não há dúvidas de que Violet, defendido de maneira tão brilhante e tão diferente por Meryl Streep no cinema, é a glória de Vianna no teatro como atriz. Não há lugares comuns, não há modéstia, não há economia: tem-se aqui a coragem, o enorme talento e o resultado de décadas de experiência recebendo merecidamente os gritos de “Brava!” da plateia no aplauso final.

Um grande espetáculo em cartaz
De “Agosto”, talvez a coisa mais importante que se leva para casa é a ideia de rede que identifica, contextualiza e constrói os personagens, seus valores e suas atitudes. O público, ele também envolvido em suas teias de relações, ganha na peça um ponto de vista para avaliar seus panoramas nos quais pode-se ver preso, de onde pode se libertar ou pode ainda prender outras pessoas. Eis um grande espetáculo em cartaz.

*

Ficha técnica

Texto: Tracy Letts

Tradução: Guilherme Siman

Direção e Adaptação: André Paes Leme

Direção de Produção: Andrea Alves e Maria Siman

Idealização e Coordenação Geral: Maria Siman

Elenco: Guida Vianna (Violet Weston), Letícia Isnard (Barbara Fordhan), Alexandre Dantas (Steve Heidebrecht), Claudia Ventura (Karen Weston), Claudio Mendes (Charlie Aiken), Eliane Costa (Mattie Fae Aiken), Guilherme Siman (Charlie Júnior), Isaac Bernat (Beverly Weston/Bill Fordham), Julia Schaeffer (Johnna Monevata), Lorena Comparato (Jean Fordham) e Marianna Mac Niven (Ivy Weston).

Diretor Assistente: Anderson Aragón

Cenografia: Carlos Alberto Nunes

Figurino: Patrícia Muniz

Iluminação: Renato Machado

Música: Ricco Viana

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Fotografia: Silvana Marques

Patrocínio: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Oi

Copatrocínio: Multiterminais

Co-realização: Oi Futuro

Realização: Primeira Página Produções, Sarau Agência de Cultura Brasileira, Ministério da Cultura, Governo Federal – Brasil Ordem e Progresso

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Apocalipse naquela esquina Ou A corrosão do caráter (RJ)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral
Foto: divulgação


Carolina Ferman



Ótimo espetáculo da Outra Cia. de Teatro

“Apocalipse naquela esquina Ou A corrosão do caráter”, escrito e dirigido por Gustavo Damasceno, é o segundo espetáculo da Outra Cia. de Teatro que cumpriu, entre junho e julho de 2017, sua terceira temporada no Rio de Janeiro. A peça estreou em outubro de 2016 e, na mais recente versão, tinha, em destaque, Carolina Ferman e Nara Parolini ao lado de Gabriel Garcia, João Lucas Romero e de Pedro Casarin, com participações especiais de Antônio Fischer-Band, Ricardo Loureiro, Vitor Barros e de Júlia Limp. Com um argumento que questiona a alienação e que impede os sujeitos de assumirem uma posição mais ativa no percurso de suas histórias, a peça se organiza por um justapor de belos quadros cuja articulação exige do público responsabilidade. Vale a pena aguardar pela próxima oportunidade de assistir à montagem tão digna de aplausos.

Revelações na ótima dramaturgia
A ótima dramaturgia, assinada por Gustavo Damasceno com colaboração de Matheus Tiburi, é estruturada em quadros que se articulam de modo mais ou menos claro. Em alguns, se vê uma certa continuidade; em outros, ela é menos aparente ou talvez inexistente. Cada um deles, pelo jeito como se organiza na cena e sobretudo como se dão a ver os diálogos, surge como uma revelação. Apocalipse quer dizer revelação. Para nós, a referência mais óbvia é a do último livro da Bíblia, aquele escrito por João (provavelmente o apóstolo mais jovem) às igrejas asiáticas em (ou sobre) seu exílio na ilha grega de Patmos no fim do século I. Toda coberta de profecias, é a obra mais enigmática do cânone e acredita-se que foi composta assim como maneira de burlar a censura romana através da qual os manuscritos viajavam.

“Apocalipse naquela esquina Ou A corrosão do caráter” abre e fecha com um amanhecer. No primeiro, uma Advogada (Carolina Ferman) está saindo solitária e bêbada de uma festa. Ela trava um diálogo com um valete, pedindo a ele um isqueiro enquanto exige que ele lhe traga seu BMW. Nas falas, está expresso um posicionamento de mundo conservador ultrarreacionário em que as pessoas são divididas a partir de seus méritos entre classe dominante e dominada. Apesar dos alertas do manobrista, ela pega a direção e acaba atropelando um esportista (Pedro Casarin), que, antes de falecer, lhe revela que sua morte já havia sido anunciada e que está tudo bem. A ausência de sentido para a vida é um desconforto para alguém cujos valores estão pautados em um sistema tão organizado como a Advogada.

Na sequência, a Advogada chega em sua casa e encontra Lourdes (Nara Parolini), babá de seu filho, com uma arma na mão. Entre várias revelações, a funcionária descreve à patroa aspectos do comportamento do menino que a mãe desconhecia. A dramaturgia passa então a privilegiar o garoto, chamado Vitor, alguém a quem a felicidade parece ser uma ilusão que de fato nunca se realiza em qualquer pessoa incluindo ele próprio. Nesse sentido, em uma visão pessimista do mundo, a felicidade (ou talvez a alegria), por apaziguar opostos irreconciliáveis e por conformar vítimas aos seus algozes, traz corrosão ao espírito rebelde e, assim, a continuidade do mal na visão da dramaturgia. No livro do Apocalipse, Jesus é alegoricamente chamado de ladrão por ser capaz de lutar contra dragões, bestas e falsos profetas. Na peça, o pequeno herói Vitor (Casarin) esfaqueia um homem (João Lucas Romero) cuja alegria disfarça seu comportamento pedófilo. Entre ambos, está uma exortação. O profeta convocava os apóstatas à conversão, o dramaturgo à luta contra a alienação.

As cenas do terço final abandonam a narrativa do personagem Vitor, dissertando ainda sobre as questões que ela circunda. Um guardador de carros (Gabriel Garcia) (que o espectador imediatamente associa àquele que apareceu na primeira cena) chega em casa do trabalho no dia em que comemora o aniversário. Ele é recebido pela velha mãe, que destila sobre ele uma série de impropérios através dos quais se percebe todo o ódio dela por ele. O pai do aniversariante - até então desaparecido - aparece para salvá-lo, alertando o filho sobre a presença dos “controladores”: seres que, por meio da televisão e do wifi, admoestam as mentes. A peça termina após essa cena com um caleidoscópio de imagens sob refletores amplamente acesos como em um amanhecer e ao som de um poema de alguém que se lamenta por não conseguir ser tão facilmente fascinado como os homens felizes a sua volta.

Carolina Ferman e a trilha sonora de Pedro Leal David são destaques
Difícil – e um tanto quanto inútil – separar dramaturgia das músicas que fazem parte do texto original de Gustavo Damasceno. A peça começa ao som de “Girls just wanna fun” e avança por uma versão em espanhol de “Time after time”, ambas de Cindy Lauper. Há ainda a versão em português de “Friend, I’m here”, do filme “Toy Story”. E desemboca em uma belíssima interpretação de “All apologies”, do Nirvana, na lindíssima voz de Julia Limp. No meio disso tudo, há um número de acrobacia por Vitor Barros e Ricardo Loureiro ao som da “Valsa das Flores”, de Tchaikovski, e uma cena de assassinato sob a valsa “Danúbio Azul”, de Strauss. Esse mix, que cheira à “Laranja Mecânica”- filme de 1971 de Stanley Kubrick –, melhora o tom irônico dos diálogos, deixando o texto mais positivamente ácido. A trilha sonora original é assinada por Pedro Leal David.

Outro mérito do espetáculo é o modo como ele se estabelece no espaço cênico. Com poucos elementos, mas com vibrante uso da luz por Renato Machado, os quadros fazem, do limite entre o que é iluminado e aquilo que permanece no infinito da escuridão, um motivo de se impor na ironia teatral e assim dizer suas verdades com maior liberdade, mas ainda sim com muita força. Em outras palavras, a ambiência proposta por Claudiney Barino e por Paulo Denizot assume suas limitações ao mesmo tempo que aposta nelas, desprendendo-se de compromissos com a ilustração e defendendo a realidade do imaginário como talvez mais real do que o próprio real. Efeito similar oferece à montagem o figurino de Nara Parolini, esse com melhores consequências no visagismo de Carolina Ferman na abertura da peça.

Os trabalhos de interpretação de Carolina Ferman, Gabriel Garcia, João Lucas Romero, Nara Parolini e de Pedro Casarin são bastante positivos, mas o de Ferman e o de Parolini, como forças iniciais que impulsionam o espetáculo, têm altíssimo destaque. No conjunto, o elenco usa os tempos de maneira bastante perspicaz, gerando quebras em cada intervalo capazes de modificar a tensão e de manter o interesse. Em todas as oportunidades, veem-se com facilidade corpos disponíveis, construções interessantes, registros vocais claros e, em especial, propostas de jogo que aprofundam as sugestões e as desenvolvem em profundidade.

Interferência afiada no dia a dia
Leva-se para casa a tarefa de dar sentido – e sobretudo de responsabilizar-se por ele – de tudo aquilo que está nos meandros dos quadros parcialmente descritos acima. Cheios de potência, essas imagens e também o que as relaciona entre si no espetáculo acendem (ou revelam) reflexões que podem intervir no dia a dia da plateia de maneira inteligente, afiada e, no melhor sentido da palavra, bela. Quando possível vale a pena assistir a mais esse ótimo trabalho da Outra Cia de Teatro.

*

Ficha Técnica:
Elenco: Carolina Ferman, Gabriel Garcia, João Lucas Romero, Nara Parolini, Pedro Casarin
Participação especial: Ricardo Loureiro e Vitor Barros
Autoria e Direção: Gustavo Damasceno
Colaboração Dramatúrgica: Matheus Tiburi
Músico e Trilha Sonora Original: Pedro Leal David
Iluminação: Renato Machado
Cenário: Claudiney Barino e Paulo Denizot
Figurino: Nara Parolini
Assistência de Direção: Julia Limp
Produção e realização: Outra Cia