terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Se meu apartamento falasse (RJ)

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Foto: divulgação


Marcos Pasquim, Malu Rodrigues e Marcelo Medici

Musical para dormir

O musical “Se meu apartamento falasse” é a primeira bomba da dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho desde muito tempo. A peça, baseada em um premiado filme de Billy Wilder, por vários motivos, não se conecta com a contemporaneidade e depende demais do carisma do elenco sobretudo no Brasil, que praticamente desconhece as canções e a obra original. Ainda que a produção se esmere – como sempre – em oferecer um resultado estético de alta qualidade, a dificuldade do alcance dos objetivos parece cada vez mais inviável ao longo da sessão. Com música de Burt Bacharah, a montagem é protagonizada por Marcelo Medici, Malu Rodrigues e por Marcos Pasquim. No entanto, é Maria Clara Gueiros, em pequeníssima aparição, a única a realmente apresentar bom trabalho. Tendo estreado no último final de semana no Teatro Bradesco, na Barra da Tijuca, o espetáculo deverá ficar em cartaz ao longo de todo o verão.

O mofo da dramaturgia
O filme “The apartment”, em que o musical “Se meu apartamento falasse” se baseia, foi a produção de maior sucesso do ano de 1960-1961, concorrendo unicamente com os épicos religiosos “Ben-Hur” e “Spartacus” e com o suspense “Psicose”. Trata-se de uma comédia romântica dirigida por Billy Wilder, que no ano anterior havia lançado “Quanto mais quente melhor”, e protagonizada por Jack Lemon e por Shirley MacLaine. Todo o sucesso da história se pautava em uma tese de liberdade sexual que, na época, ganhava coro: jovens executivos (casados) de uma seguradora e garçonetes da cafeteria da mesma empresa tinham encontros íntimos no apartamento de um funcionário menor. Eis, porém, que Chuck Baxter se vê apaixonado pela amante do diretor e precisa escolher entre o sucesso na vida profissional ou na vida afetiva. Tendo estreado em 15 de junho de 1960, o filme concorreu ao Oscar do ano seguinte e recebeu nada menos que dez indicações e cinco estatuetas, incluindo Melhor direção, Melhor roteiro e Melhor filme.

A versão para musical chamada “Promises, promises” estreou em dezembro de 1968. Com roteiro de Neil Simon (que tinha assinado “Sweet Charity”) e músicas de Burt Bacharah, ela ficou mais de três anos em cartaz na Broadway e conseguiu sete indicações ao Tony e as estatuetas de Melhor ator a Jerry Orbach, que interpretava Chuck Baxter; e a de Melhor atriz coadjuvante a Mariah Murcer, que dava vida à Marge Macdougall (o papel que Maria Clara Gueiros agora tem no teatro). Em 2010, uma nova produção foi lançada com Sean Hayes e Kristin Chenoweth nos papeis principais. A temporada dela foi de sete meses e ganhou quatro indicações ao Tony, incluindo as estátuas de Melhor ator para Hayes e a de Melhor atriz coadjuvante para Katie Finneran, essa no papel de Marge. Com coreografias exultantes de Rob Ashford, a montagem acrescentava às músicas conhecidas do repertório americano um frescor juvenil que auxiliava a esconder o mofo da dramaturgia. Infelizmente, não se pode dizer que aconteceu o mesmo com a versão brasileira do texto.

Considerando os sucessos obtidos nas versões fílmica e da Broadway, talvez seja injusto responsabilizar unicamente a dramaturgia pelo insucesso da versão brasileira que aqui se analisa. No entanto, ao assistir ao espetáculo mantendo os olhos na pauta pública das discussões contemporâneas, facilmente se identificará a desconexão entre “Se meu apartamento falasse” e o hoje em nossa cidade. O tema de um grupo de altos executivos de uma seguradora – homens brancos e bem-sucedidos – felizes (e depois indignados) por causa de um apartamento de um contador aonde podem levar suas amantes já prenuncia que se trata de uma história de época. Isso não seria um problema se não resultasse na alegria de que esse tempo já passou. Mulheres em posições inferiores, enganadas orgulhosamente por seus machos (que não abandonam suas esposas) até uma protagonista que tenta o suicídio por causa disso podem ter sido um ótimo mote para uma comédia sobre as loucuras e o esplendor da juventude, mas hoje em dia é, na melhor das hipóteses, esquisita. Por mais que se torça pela vitória do personagem principal, essa posição não impede um ponto de vista sobre o todo ao qual ele está vinculado. E aí seria preciso que todos os outros signos que acompanham o texto na viabilização do espetáculo tivessem outra importância na defesa da obra. Aqui eles ajudam a prejudicá-la.

Problemas da encenação
Em termos da encenação assinada por Charles Möeller e por Claudio Botelho, “Se meu apartamento” se escreve em cena sem contrabalancear os problemas da dramaturgia. A montagem brasileira parte de escolhas de elenco pouco contributivas, apresenta uma concepção de cenário difícil e não traz nenhuma coreografia relevante. Em resumo, é um musical para dormir quando não para se irritar.

Se os oito atores que participam da produção são considerados bons comediantes, nenhum deles carrega midiaticamente o estigma de símbolo sexual, o que poderia auxiliar na construção do sentido do todo como uma comédia juvenil (Pasquim sustentou o título nos anos 90). O exato oposto, porém, se pode dizer do elenco feminino, o que desequilibra o discurso cênico vertiginosamente. Se as letras são a materialidade da literatura, o teatro se imprime na aparência dos atores. E, longe de aqui fazer considerações sobre a beleza dos intérpretes (o que é realmente muito relativo e, por isso, nada importante), quer-se analisar o modo como suas figuras participam da construção do todo. Há em geral um esforço na piada que, se ocorre, não deixa de revelar uma gama enorme de preconceitos.

O modo como a orquestra aparece ao longo de toda a encenação, fazendo parte de um cenário de época de Rogério Falcão, ajuda a pesar a peça, fazendo-a parecer muito clássica e quase nada coerente com as aventuras sexuais da dramaturgia. Vale lembrar que, nos anos 60, o público do filme de Billy Wilder e da primeira montagem de “Promises, promises” vestia essencialmente o mesmo guarda-roupa dos personagens e tinha em suas casas um mobiliário com a mesma estética da do palco. Toda a produção é tão elegante e bem cuidada como sempre é. E valem os elogios ao figurino de Marcelo Marques e à iluminação de Paulo Cesar Medeiros pela valorização visual de todo o contexto. A falta de sujeira, porém, nem leva para a magia, nem debocha da realidade.

Ainda observando a encenação, “Se meu apartamento falasse” muito bem poderia ser comparado a “Como vencer na vida sem fazer força”, que a dupla Möeller e Botelho dirigiu em 2013 e que, na Broadway, sucedeu “Promises, promises” no currículo do coreógrafo Rob Ashford. O que distancia ambos é o sexo: todo o calor de “Como vencer” era lucro para aquela narrativa fria, mas aqui, tem-se a exata contrapartida. Às coreografias de Alonso Barros e à direção musical de Marcelo Castro falta um ritmo que, sendo metáfora para o desejo dos personagens, substituiria a monotonia que sobre nessa cena.

Maria Clara Gueiros
Méritos do elenco coadjuvante, desméritos dos protagonistas
Sobre o trabalho do elenco, não há muitos aspectos positivos para serem mencionados, embora negativos tampouco. Maria Clara Gueiros (Marge Macdougall) e André Dias (Dr. Dreyfuss) exploram seus pequenos personagens em um visível esforço para torná-los marcantes através de construções bem farsescas e têm sucesso nesse intento. Patrick Amstalden (Karl Kubelik) e Julie (Enfermeira Kreplinski), com oportunidades ainda menores, também têm sucesso dentro das possibilidades que lhe a princípio lhe apareceram. Antônio Fragoso, Fernando Caruso, Renato Rabelo e Ruben Gabira apresentam uma abordagem cômica para a qual aparentemente foram escalados com resultados até surpreendentes dentro dos desafios da proposta e Marcos Pasquim, na figura de vilão, atinge mérito similar. No entanto, todos esses têm aparições pouco influentes na dramaturgia e suas contribuições, assim, mudam o quadro muito sutilmente.

São nos protagonistas Malu Rodrigues (Fran Kubelick) e Marcelo Medici (Chuck Baxter) que se encontram os maiores problemas. Não há drama em qualquer um deles, mas, ao contrário, uma linha reta sobre a qual nada além das palavras se vê. Comendo os fins das frases musicais e inexplicavelmente substituindo, apesar de sua belíssima voz, o canto pela prosódia na defesa das canções, em Rodrigues nesse espetáculo, não se vê curva dramática, mas as mesmas reações na dor e na alegria, na excitação e na sonolência. Pior do que isso, em Medici, não se encontra a única questão realmente relevante na dramaturgia: ou investir no sucesso profissional ajudando seu chefe ou no sucesso afetivo na conquista pela amada. Em lugar disso, desde sempre, o público já sabe qual é a decisão de seu Baxter, o que previne o espetáculo de algum maior interesse da audiência. A interpretação da canção final, que dá título para o todo, surge na estreia com desafinos brutais.

Burt Bacharah
Burt Bacharah, compositor americano de grande renome, já foi tema de espetáculo de Charles Möeller e de Claudio Botelho, há quinze anos, em produção chamada “Cristal Bacharah”. A obra do músico, da qual fazem parte canções como “I say a little prayer”, “A house is not a home”, “Raindrops keep fallin’ on my head”, merece ser revisitada. Aqui vale rir com Maria Clara Gueiros em sua cena mais aparentemente minúscula do que de fato seja.

*

Ficha técnica:

‘SE MEU APARTAMENTO FALASSE ...’

Um espetáculo de CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO

Texto de NEIL SIMON
Baseado no roteiro do filme THE APARTMENT de BILLY WILDER e I.A.L. DIAMOND - vencedor do oscar de melhor filme de 1961

Musica de BURT BACHARACH

Letras de HAL DAVID
Produzido originalmente da Broadway por DAVID MERRICK

Com MARCELO MEDICI, MALU RODRIGUES, MARCOS PASQUIM, MARIA CLARA GUEIROS, FERNANDO CARUSO, ANDRÉ DIAS, ANTONIO FRAGOSO, RENATO RABELO, RUBEN GABIRA, PATRICK AMSTALDEN, KAREN JUNQUEIRA, JULLIE, CARU TRUZZI, LOLA FANUCCHI,PATRICIA ATHAYDE, DUDA RAMOS, MARIANNA ALEXANDRE, MAYRA VERAS e YASMIN LIMA.

CHARLES MÖELLER
Direção

CLAUDIO BOTELHO
Versão Brasileira

MARCELO CASTRO
Direção Musical, Arranjos Adicionais e Regência

ALONSO BARROS
Coreografia

CHARLES MÖELLER
Direção de Movimento

ROGÉRIO FALCÃO
Cenário

MARCELO MARQUES
Figurinos

ADEMIR MORAES JR.
Design de Som

PAULO CESAR MEDEIROS
Iluminação

BETO CARRAMANHOS
Visagismo

TINA SALLES
Coordenação Artística

CARLA REIS
Produção Executiva

Patrocinio: Elevadores Atlas Schindler

Apoio Cultural: Hilton Barra Rio de Janeiro

Realização: M&B e OPUS PROMOÇÕES

3 comentários:

  1. De fato não se vê o melhor da dupla Moeller e Botelho. Com exceção da encantadora Malu Rodrigues, as vozes não empolgam. Para os fundamentalistas politicamente corretos, o texto é machista e datado. OK, Pode ser. Porém, a comédia musical diverte e faz rir. Há cenas muito engraçadas. Não empolga, mas vale a pena assistir.

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  2. Sou do RS, amo Burt Bacharach, amo o filme do Billy Wilder e adorei o Medici no Rock Horror Show (que vi em sampa). Estava disposto a ir ao RJ só pra ver este musical. Que decepção. Vou ficar por aqu

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