quinta-feira, 18 de abril de 2013

Aos domingos (RJ)

Texto inédito de Julia Spadaccini
ganha direção de Bruce Gomlevsky
Foto: Bruno Tetto

Peça trata da importância do acúmulo de si mesmo

Com muitos méritos, “Aos domingos”, o novo texto de Julia Spadaccini, trilha o caminho inverso do conhecido clássico do teatro brasileiro contemporâneo “A partilha”, de Miguel Falabella. Ainda que diferentes, os limites, tanto de chegada como de partida, são os mesmos: de um lado, uma herança, e, de outro, irmãos que se reencontram depois de muito tempo sem se verem. Enquanto no segundo, quatro irmãs se encontram para dividir a herança, no primeiro, em espetáculo dirigido por Bruce Gomlevsky, dois irmãos se reencontram para devolvê-la. Nas duas obras, finda a relação com os pais, resta aos irmãos muito além de objetos caros e de tipo sanguíneo comum: um dever com relação às velhas lembranças de tardes de domingo. Em cartaz no Teatro Glaucio Gil, em Copacabana (lugar narrativo onde, aliás, acontece o encontro das personagens de Falabella), Juliana Teixeira brilha na sua interpretação de "Ana", irmã de "Edu", personagem interpretado por Jorge Caetano. Além das marcas formais que ratificam as distâncias e as proximidades entre as duas peças, há que se identificar o conteúdo que “Aos domingos” guarda em si para compartilhar. 

No jardim de sua casa (no cenário, Nello Marrese ratifica a sua preferência por tablados circulares já vistos em “Os Mamutes” e em “R&J de Shakespeare”), Ana espera o irmão a quem não vê há seis anos. Nesse período, a mãe dos dois, anteriormente abandonada pelo marido, falecera. O encontro agendado para este dia tem, assim, grande significado: depois de um longo tempo, à mesma mesa, sentarão a filha, o filho e o pai. Os diálogos Spadaccini e os movimentos da direção de Gomlevsky (assistido por Glauce Guima) deixam ver de forma parcimoniosa cada personagem. A fruição disponível remete a Ibsen e a Tchekhov, talvez, por causa de uma quarta parede bastante forte e de um convite firme à catarse (purgação das emoções, segundo Aristóteles). Estamos, pois, dentro de Ana e de Edu, olhando o mundo a partir de seus paradigmas. Enquanto um foge da verdade em um casamento idealizado com Sérgio (Paulo Giardini), em sonhos com Johnny, um amigo de infância (Bruno Padilha), e com um mundo cheio de tolhas brancas, taças de cristal e ar condicionado na cozinha, o outro foge da verdade em terras distantes, em contatos mínimos com o mundo externo a si próprio e em relações passionais. Spadaccini e Gomlevsky fazem com que, nessa produção da Nova Bossa Produções Culturais, a verdade encontre o casal de irmãos. Um vulcão está para transbordar, pois é hora do acerto de contas. Só uma taça vazia, afinal, pode ser preenchida novamente. 

Em personagem coadjuvante, Paulo Giardini (Sérgio) imprime excelente resultado à obra, reforçando os momentos cômicos que, em “Aos domingos”, servem de impulso para o drama que há de vir. Ótimos tempos, entonações bem usadas, coluna curvada, sua participação é curta, mas marcante. Em uma construção bastante sóbria, Bruno Padilha (Johnny) está contido, fazendo bom contraponto com os protagonistas, esses em ebulição. No jogo de cena, Juliana Teixeira manifesta marcas de um nervosismo cheio de conteúdo, consequências de uma figura quente, sufocada, cansada de tanto esperar por ar puro depois de muito carregar as frustrações do passado (E a memória das inúteis tranças feitas pelo irmão em seu cabelo na infância para esperar o pai que nunca vinha é apenas um exemplo delas.). Seus movimentos dão ritmo, cor, consistência para a narrativa. Infelizmente, Jorge Caetano, no final de semana de estreia do espetáculo, ainda não joga em mesmo nível que a colega, manifestando uma construção pouco à vontade, endurecida e, por isso, menos contributiva com as necessidades do realismo psicológico. 

Figurinos de Flávio Souza estão bem no que diz respeito ao casal Ana e Sérgio, mas estão incoerentes com o todo em se tratando de Edu e de Johnny. Tecidos, ausência de meia (em Edu), modelagem das roupas usadas por esses dois últimos expressam um tempo que não é mesmo de vitrolas, telefones com fio e televisores pequenos. Luiz Paulo Nenen apresenta um desenho de luz cuidadoso, cheio de riqueza em detalhes que potencializa a condução das emoções. Já citado, Marrese, aqui ao lado de Natalia Lana, emoldura a história, articulando positivamente os signos em uma hierarquia que favorece o ritmo. A trilha sonora a partir de Edith Piaf acrescenta novas possibilidades de níveis para fruição sem emperrar a narrativa, mas possibilitar diferentes velocidades na construção de sentido. 

Na peça de Miguel Falabella, as irmãs não partiram para o mundo para encontrar a vida, mas para continuar a vive-la sob seus próprios pés. O retorno a casa da mãe e a redescoberta de um aparelho de chá de brinquedo são um convite para a preservação dos laços mais remotos. Em “Aos domingos”, Julia Spadaccini responde de forma a chamar a atenção para o fato de que, às vezes, é chegada a hora de cortar laços, separar o “joio do trigo” e não partilhar mais nada de si, conseguindo, assim, talvez, sobreviver às comédias da vida burguesa (de Copacabana). 

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FICHA TÉCNICA

TEXTO – JULIA SPADACCINI
DIREÇÃO – BRUCE GOMLEVSKY

ELENCO / PERSONAGENS
JULIANA TEIXEIRA - Ana
JORGE CAETANO - Edu
BRUNO PADILHA – João
PAULO GIARDINI - Sergio

ASSISTENTE DE DIREÇÃO – GLAUCE GUIMA
CENOGRAFIA – NELLO MARRESE e NATALIA LANA
FIGURINO – FLAVIO SOUZA
ILUMINAÇÃO – LUIZ PAULO NENÉM
TRILHA SONORA – BRUCE GOMLEVSKY
PROGRAMAÇÃO VISUAL – CAROLINA VAZ
VISAGISMO – EVÂNIO ALVES
GESTÃO DE REDE SOCIAL – ALAINA PAISAN
FOTOGRAFIA – PÁPRICA FOTOGRAFIA
PLANO DE MÍDIA – MAURO VIANNA
PRODUÇÃO EXECUTIVA – CAMILA VIDAL
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO – ACACIO VELLOSO
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO – JULIANA TEIXEIRA
REALIZAÇÃO – NOVA BOSSA PRODUÇÕES CULTURAIS
ASSESSORIA DE IMPRENSA – JSPONTES COMUNICAÇÃO - JOÃO PONTES E STELLA STEPHANY

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